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Habitação e saneamento são maiores desafios, diz Lula
RAQUEL BOCATO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Assumido pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) em 2000, o cumprimento
dos 8 Objetivos do Milênio é hoje
uma das prioridades de seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula analisa, em entrevista por
e-mail exclusiva para a Folha,
progressos e obstáculos ao país.
Otimista, diz que o Brasil "caminha na direção do cumprimento
da maioria das metas".
Os maiores desafios, segundo o
presidente, são saneamento e habitação, que requerem "grandes
investimentos não apenas do governo federal mas também dos
Estados, dos municípios e da iniciativa privada".
Confira, a seguir, a íntegra da
entrevista.
Folha - O Brasil vai cumprir todos
os oito Objetivos
do Milênio da ONU
até 2015?
Luiz Inácio Lula
da Silva - O cumprimento dos oito
Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM)
depende de 18
metas que a ONU
definiu para serem acompanhadas até o ano de
2015. Podemos dizer, sem nenhum
exagero, que o
Brasil caminha na direção do
cumprimento da maioria das metas. Estão praticamente alcançadas as metas 1 e 2, de redução à
metade da pobreza e da fome; a
meta número 3, de garantir que
até 2015 todas as crianças de ambos os sexos terminem um ciclo
completo de ensino; e a meta número 4, de eliminar as disparidades entre os sexos no acesso a todos os níveis de ensino.
Atualmente, uma em cada cinco pessoas no mundo vive com menos de US$ 1 por dia. Essa situação é insustentável
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Em outros casos, o alcance da
meta vai depender do ritmo de
avanços obtidos até 2015, com base não só num grande esforço
nosso, mas também dos próximos governos brasileiros.
É o caso da meta número 5, reduzir em dois terços a mortalidade de crianças menores de cinco
anos de idade; da meta 6, reduzir
em três quartos a taxa de mortalidade materna; e da meta 10, reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população sem acesso
permanente à água potável.
Já o oitavo Objetivo do Milênio,
que é estabelecer uma parceria
mundial para o desenvolvimento,
depende basicamente das ações
dos países desenvolvidos, no sentido de fomentar o progresso nas
nações mais pobres.
Mesmo assim, a política externa
brasileira tem feito a sua parte, defendendo e incentivando essas
ações em todos os fóruns de que
participamos.
Folha - Qual é o Objetivo mais fácil e qual o mais difícil de alcançar?
Lula - Veja, por um lado, essas
metas que o Brasil já alcançou ou
está por alcançar poderiam ser
consideradas as mais fáceis. Já as
metas 10 e 11, que dizem respeito a
saneamento e habitação, poderiam ser tidas como mais difíceis,
pois o Brasil encontra-se em um
patamar que requer grandes investimentos
-não apenas do
governo federal,
mas também dos
Estados, dos municípios e da iniciativa privada. E
as metas de saúde,
seguindo no raciocínio, encontrariam-se em posição intermediária. Mas, para
sermos rigorosos, estamos iniciando um amplo processo de
discussão no âmbito do governo,
das Nações Unidas e da sociedade
civil para verificar se tais metas
deveriam ser adaptadas ou reorientadas à realidade nacional,
para que a gente se proponha a
avançar ainda mais.
O fato de o Brasil ter praticamente alcançado a meta prevista
para redução da pobreza, levando-se em conta o indicador sugerido pela ONU, o dólar PPC [paridade do poder de compra, que elimina as diferenças de custo de vida entre os países], por exemplo,
não significa que o país resolveu
definitivamente esse problema.
Temos que ir adiante. É por isso
que estamos apresentando indicadores adicionais para o acompanhamento das metas propostas
pela ONU no Relatório Nacional
de Acompanhamento.
Folha - O governo vai lançar mão
de algum esforço especial para
atingir as metas?
Lula -Boa parte das ações do governo diz respeito, mesmo que
não explicitamente, aos objetivos
e metas estabelecidos pela ONU.
O Relatório Nacional de Acompanhamento dos ODM, que eu
mencionei, tem uma seção específica para identificar essas políticas e já reconheceu várias iniciativas nossas nesse sentido.
Foram destacados o Bolsa-Família, para alcançar o objetivo 1; o
Fundef, para alcançar o objetivo
2; o Programa Saúde da Família,
para o objetivo 4; o Programa de
Humanização no Pré-Natal e
Nascimento, para o objetivo 5; o
Programa Brasileiro de DST/
Aids, para o objetivo 6; e o Programa Nacional de Florestas, para o
objetivo 7. Este governo está afinado com as metas da ONU. Caminhamos decididamente na direção do desenvolvimento econômico sustentável com inclusão
social e distribuição de renda.
Folha - A ONU reconhece que o
Brasil assumiu uma liderança mundial para que os países atinjam os
Objetivos do Milênio. Até que ponto
isso é importante para a nação?
Lula - É fundamental. Vivemos
em um mundo globalizado, de
economias interdependentes. Fazer bem a lição de casa e brigar
por uma ordem econômica mundial mais justa não é apenas uma
questão de coerência. Essas são
políticas indissociáveis hoje em
dia. Aquela idéia de que as forças
do mercado seriam capazes de
promover automaticamente o desenvolvimento econômico nos
países que aplicassem políticas de
boa governança, de liberalização
dos mercados e de privatização da
atividade econômica tem sido desafiada pelo aumento da pobreza
mundial.
Reduzir as desigualdades regionais que ainda persistem no país tem sido uma obsessão. Ainda temos muito a fazer
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Atualmente, uma em cada cinco
pessoas no mundo -cerca de 1,2
bilhão de pessoas- vive com menos de US$ 1 por dia, segundo dados do Pnud. Essa situação é insustentável. Não é possível que,
em pleno século 21, com todos os
avanços tecnológicos e de produtividade que alcançamos, milhões
de pessoas, nos mais diversos
continentes, continuem a padecer
das seqüelas decorrentes da fome,
não tenham acesso aos níveis básicos de educação, ao saneamento
básico nem sequer à água potável.
É por isso que o Brasil tem defendido propostas próximas às
apresentadas pelos ODM em todos os fóruns internacionais de
que participa. E vem se tornando
uma referência mundial no que
diz respeito à implementação de
políticas de redução da fome, da
pobreza e das desigualdades. Trata-se de um compromisso ético e
moral que cidadãos e governos
deveriam assumir. Como disse
certa vez o companheiro James
Grant, ex-diretor do Unicef, "o
problema não é que falhamos na
tentativa de erradicar a pobreza
no mundo. O problema é que
nunca fizemos uma tentativa conjunta séria". É preciso colocar a
questão na agenda mundial e fazer essa tentativa.
Folha - Segundo especialistas, alguns objetivos serão atingidos,
mas ainda haverá uma visível desigualdade regional. O caso da mortalidade infantil é emblemático. O
que se pode fazer para atenuar as
diferenças?
Lula - Inicialmente, deve-se ressaltar que uma importante conclusão do Relatório Nacional de
Acompanhamento dos ODM foi
exatamente o fato de que as desigualdades regionais estão se reduzindo em diversas áreas no Brasil,
merecendo ênfase a educação. O
mesmo está ocorrendo também
com a mortalidade infantil. Essa é
uma questão prioritária para nós.
Reduzir as desigualdades regionais que ainda persistem no país
tem sido uma obsessão do companheiro Ciro Gomes, à frente do
Ministério da Integração Nacional. Sei que ainda temos muito a
fazer. Mas não vamos medir esforços para atuar de forma rápida
e abrangente nesse sentido.
Folha - De todos os Objetivos,
qual o prioritário para o Brasil?
Lula - Um dos principais méritos
dos ODM é exatamente o de assumir que a complexidade dos problemas sociais exige tratamento
multissetorial e integrado. Está
claro que não será um único programa, ou conjunto de programas setoriais, que acabará com a
pobreza e a exclusão social no
Brasil e no mundo.
Dessa forma, pode-se afirmar
que todos os objetivos são essenciais. Considera-se que o objetivo
número 8, que diz mais respeito
às ações por parte das nações
mais ricas em prol das mais pobres, seja fundamental para que o
mundo como um todo alcance os
Objetivos.
Estimativas da própria ONU e
do Banco Mundial apontam a necessidade, para o financiamento
das metas, de alocação de recursos na ordem de US$ 50 bilhões
por ano dos países ricos. Se eles
não cumprirem com a parte deles,
dificilmente os demais objetivos
serão alcançados como um todo
no planeta.
Mas se você me
pergunta qual o
objetivo humanitariamente mais
relevante, eu diria
que é o primeiro, a
redução à metade
da extrema pobreza e da fome no
mundo. No entanto, repito, essas
são questões integradas. Caso os
demais objetivos
não sejam cumpridos, dificilmente o número um o será. Ficar
elegendo prioridades entre os oito
Objetivos é prejudicar o que talvez seja a maior riqueza dessa discussão toda: uma ação conjunta,
nas mais diversas áreas, para erradicar a pobreza e a fome.
Folha - A classe empresarial e o
terceiro setor têm se envolvido em
muitos dos Objetivos. Há críticos
que consideram que essas ações escondem uma recente diminuição
do papel do Estado. É uma crítica
pertinente? Por quê?
Lula - Não concordo com essa
crítica. A idéia original da ONU é
mobilizar a todos, Estados nacionais e sociedade civil, em um esforço conjunto na busca de soluções para os graves problemas do
mundo. Em nenhum momento
se diz que o Estado possa abrir
mão de suas atribuições. O objetivo é somar esforços, não empurrar competências. E o Relatório
Nacional de Acompanhamento
dos ODM, divulgado em setembro de 2004, reconhece as iniciativas que o nosso governo vem tomando para alcançar os objetivos.
Folha - De acordo com o Pnud, alguns países ricos estão resistentes
ao objetivo 8, que inclui o perdão e
a amortização da dívida externa de
países pobres e a eliminação dos
subsídios agrícolas. Corre-se o risco
de os objetivos ficarem apenas no
papel?
Lula - Espero, sinceramente, que
não. O governo brasileiro, desde
janeiro de 2003, em Davos, tem
defendido a necessidade de um
novo ordenamento econômico e
social no mundo capaz de conciliar crescimento econômico com
justiça social. Já em Evian, por
ocasião da Cúpula Ampliada do
G-8, reiteramos esse objetivo, sugerindo a criação de um fundo internacional concebido exclusivamente para o combate à fome e à
pobreza, além de clamar para a
necessidade de
estabelecimento
de fontes alternativas de financiamento ao desenvolvimento dos
países pobres.
Em setembro de
2003, por ocasião
da 58ª Assembléia
Geral das Nações
Unidas, o Brasil, a
Índia e a África do
Sul criaram o
Fundo Fiduciário
Ibas de Alívio à
Fome e à Pobreza.
No ano seguinte, uma nova parceria foi estabelecida pelo governo
do Brasil com os governos da
França, do Chile e da Espanha,
com vistas a um programa de
ação para identificar fontes alternativas de financiamento e de
combate à pobreza e à fome.
Várias fontes de recursos podem ser canalizadas para o programa, de contribuições voluntárias de empresas socialmente responsáveis à taxação sobre transações financeiras e o comércio de
armas.
Em janeiro deste ano, em Davos, juntou-se à nossa iniciativa o
chanceler Schröder, da Alemanha. Como se vê, o debate tem
avançado, e muito. E o governo
brasileiro vai continuar contribuindo, de todas as formas, para
que os ODM sejam alcançados,
não apenas aqui, como no mundo
todo.
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