São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 2005

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2 - Atingir o ensino básico universal

País alcança meta antes de 2015, mas alunos saem sem domínio elementar de língua portuguesa e matemática

Baixa qualidade compromete alfabetização

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Até 2003, parte dos alunos de três escolas rurais de Capão Bonito -cidade de 47 mil habitantes no Vale do Ribeira, uma das regiões mais pobres do Estado de São Paulo- chegava à quarta série sem saber ler ou escrever, alguns com dificuldades de alfabetização. A partir de 2004, o desempenho desses estudantes, com os mesmos professores, saltou 18 pontos nas avaliações aplicadas.
"O curso de capacitação de professores provocou uma revolução", analisa a ex-diretora da escola Ana Benta, Eliana Silva, 40. A "revolução", na verdade, foi de pequenas modificações na rotina das escolas, como valorização da participação dos pais, criação de oficinas de leitura, estímulo aos professores para usar recursos além da lousa e da cartilha e mais trabalhos em grupo.
Resultado de uma parceria com a Fundação Lemann, que deu o curso de formação para diretores -e estes para os professores-, a iniciativa envolveu 200 escolas de São Paulo e de Santa Catarina e beneficiou 100 mil alunos. Agora o projeto será implantado em outras cidades e Estados.
Outra experiência nesse sentido vem da capital paulista. Wesley Lima, 13, e Marcelo Henrique Godói, 13, tocam violino; Izabela Dallmann, 13, violoncelo. Eles moram no bairro pobre de Cidade Dutra, na zona sul, uma das áreas mais violentas da cidade, e estudam no CEU (Centro de Educação Unificada) local.
Ali, graças a uma parceria en- tre o Instituto Pão de Açúcar, o banco Santander e a prefeitura, foi montada uma orquestra com os alunos, que ensaiam todas as terças e quintas. Outros três CEUs participam desse projeto.

Quantidade vs. qualidade
Exemplos como os de Capão Bonito e Cidade Dutra ilustram o principal alvo da responsabilidade social das empresas hoje: educação. "O chamado terceiro setor faz uma pressão importante para que as pessoas e as autoridades vejam e tratem a educação como prioridade", afirma o representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein, 64. "E educação de qualidade", completa.
O Objetivo do Milênio (ODM) relacionado à universalização do acesso à escola será atingido no país bem antes de 2015, mas só quantitativamente. A qualidade de ensino continua baixíssima.
Relatório do Saeb 2001 (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), do Ministério da Educação, revela que o país forma cidadãos semi-analfabetos e que não dominam nem sequer operações básicas da matemática. A soma de conceitos "muito crítico" e "crítico" passa dos 52%, na quarta série, e dos 58%, na oitava. O percentual de "avançado", na quarta série, foi zero, e 0,1% na oitava.
Entre os alunos de quarta série, na prova de língua portuguesa, 22,2% não passaram do conceito mínimo, "muito crítico"; 36,8% tiveram desempenho "crítico"; 36,2%, "intermediário"; 4,4%, "adequado", e 0,4%, "avançado".
"Isso significa que mais da metade deles [59%] não entendeu nada da prova e a devolveu em branco ou rasurada ou entendeu algo, mas não conseguir montar uma única frase para responder", analisou o professor de macroeconomia da PUC-MG Márcio Antônio Salvato, 35, coordenador do laboratório do Sudeste de acompanhamento de testes do ODM para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Além do Saeb, o Brasil participa do Pisa (Programa Internacional para Avaliação do Estudante), sob a coordenação da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). A prova tem conceitos de 1 a 5.
Na avaliação da língua, 55,7% dos brasileiros não passaram do conceito 1. Apenas 3,1% chegaram no 4; e 0,6%, no 5.
Os mexicanos foram melhores: 6,9% dos alunos chegaram a 4 ou 5, e 44% ficaram abaixo de 1. Os americanos se destacaram mais: 17,9% não passaram de 1, mas 33,7% alcançaram 4 ou 5.
Segundo o IDH-Educação (Índice de Desenvolvimento Humano específico da área), o Brasil tinha índice 0,745 em 1991 e melhorou um pouco, chegando a 0,849 em 2000. Era o mesmo nível de Costa Rica, Argélia e Vietnã.
Para 2015, as projeções apontam um IDH de 0,906, próximo do que já têm hoje Israel e os vizinhos Argentina, Uruguai e Chile. O índice varia de 0 (nota mais baixa) a 1 (mais alta).
Para piorar, o acesso aos ensinos médio e superior tornam-se gargalos. A Taxa de Escolaridade Líquida (percentual da população estudando no nível de escolaridade de sua idade) no nível fundamental está em torno de 94%. Mas a Taxa de Escolaridade Líquida no ensino médio despenca para 40%. E cai para menos de 10% no ensino superior.

Ano da qualidade
Nem o governo nega a situação do ensino, tanto que o Ministério da Educação instituiu 2005 como o ano da qualidade da educação básica. Entre outras medidas, haverá a troca do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Fundamental e Valorização do Magistério) pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que estende financiamentos até o ensino médio. "Com o novo fundo, cerca de R$ 4 bilhões devem ser injetados", diz o secretário-executivo do Conselho Nacional de Educação, Ronaldo Mota.
Além disso, a proposta de emenda constitucional prevê o aumento da vinculação de tributos federais à educação dos atuais 18% para 22,5%, em quatro anos.
A Unesco recomenda gastos anuais de 6% do PIB na educação (somando recursos federais, estaduais e municipais). "Faz décadas que o Brasil não atinge o mínimo. Fica entre 4,5% e 4,6% do PIB. Para pagar a dívida educacional, o país precisa investir mais", alerta Werthein. (EF)


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