São Paulo, quinta, 31 de dezembro de 1998

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COMO FICOU - RIOCENTRO
Comissão de Direitos Humanos da Câmara quer reabertura
Pára tentativa de nova investigação

ELVIRA LOBATO
da Sucursal do Rio

Parou no Ministério Público Federal, onde já está há mais de dois anos, a quarta tentativa de reabertura das investigações sobre o atentado a bombas no Riocentro, ocorrido há 17 anos, cujos autores, militares do Exército, nunca foram identificados e punidos.
Em novembro de 96, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados encaminhou ao procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, o pedido de instauração de um novo inquérito, desta vez pela Polícia Federal, sem a participação do Exército.
A procuradora Gilda Pereira Berger, que está com o processo, ainda está analisando o pedido. Disse que vai apresentar o seu relatório à Procuradoria em fevereiro do ano que vem.
Na noite de 30 de abril de 1981, enquanto as televisões transmitiam a semifinal do Campeonato Brasileiro de Futebol, duas bombas explodiram no Riocentro -centro de eventos em Jacarepaguá, zona oeste do Rio-, onde ocorria um show comemorativo do Dia do Trabalho.
A primeira estourou no interior de um automóvel Puma, matando o sargento Guilherme Pereira do Rosário e ferindo gravemente o capitão Wilson Luiz Chaves Machado, ambos do DOI (Departamento de Operações de Investigações) do 1º Exército, atual Comando Militar do Leste.
Minutos depois, uma segunda bomba explodiu na casa de força do Riocentro. As pessoas que assistiam ao show não ouviram as explosões, mas, por pouco, não houve um desastre: as saídas de emergência estavam trancadas.
O Exército assumiu as investigações e, contra os laudos periciais que indicaram que a bomba explodira no colo do sargento -o qual, provavelmente, a estava manipulando- concluiu que os dois militares, em vez de autores do atentado, teriam sido vítimas de um ato terrorista das organizações de esquerda MR-8 ou VPR ou do Comando Delta, de extrema direita.
O inquérito foi arquivado, de imediato, pelo juiz Edmundo Franca de Oliveira. Por três vezes -em 1981, 1985 e 1988- o STM (Superior Tribunal Militar) se negou a desarquivá-lo.
Embora os responsáveis nunca tenham sido identificados, o atentado do Riocentro marcou o Exército. "O inquérito foi uma das maiores farsas da história brasileira", afirma o almirante Júlio de Sá Bierrenbach, ex-ministro do STM, que votou contra o arquivamento e fez da reabertura das investigações sua bandeira de vida.
Na última votação, o STM decidiu que os autores do crime já estavam anistiados pela emenda constitucional de 1985.
Em entrevista à Folha, Bierrenbach lembrou que, em 1979, a lei 6.683 anistiou os condenados por crimes de natureza política cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, mas excluiu os condenados por sequestro, terrorismo, assalto e atentado pessoal.
A emenda constitucional, aprovada seis anos depois, diz ele, apenas estendeu o benefício aos que se enquadravam nessas quatro categorias, sem alterar o período para anistia. "Logo, os autores do atentado do Riocentro, que ocorreu em 30 de abril de 1981, não estão anistiados como entendeu o STM", diz o almirante.
Mesmo convencido de que há respaldo legal para a reabertura das investigações e punição dos responsáveis, ele diz não acreditar em tal possibilidade. "Nenhum governo vai cutucar essa ferida", conclui.
A versão do IPM (Inquérito Policial Militar) do caso Riocentro, conduzido pelo então coronel Job Lorena de Sant'Anna, foi desmontada, dez anos depois, por ninguém menos do que o ex-presidente da República João Baptista Figueiredo. Em entrevista ao jornal "O Globo", Figueiredo admitiu que o sargento e o capitão participaram do atentado.
Figueiredo, no entanto, atribuiu o ato terrorista a oficiais de baixa patente. "Nenhum general ou coronel teve algo a ver, pelo menos dos que eu conheço", disse, então, o ex-presidente.
Essa versão é sustentada até hoje pelo general Newton Cruz, que, na época, chefiava a agência central do SNI (Serviço Nacional de Informações), diretamente ligada à Presidência da República. "Foi coisa de oficiais de patente baixa, baseados no Rio, que resolveram fazer a coisa da cabeça deles, sem a participação de seus superiores", repetiu Cruz à Folha.
"Se fossem apenas oficiais de baixa patente, por que o Exército nunca aceitou a reabertura das investigações e promoveu os que participaram da farsa?", indaga o almirante Bierrenbach.
O primeiro oficial do Exército a admitir que o atentado do Riocentro havia sido obra de militares foi o coronel Leo Frederico Cinelli, e sua declaração provocou a segunda votação do Superior Tribunal Militar sobre a reabertura das investigações.
Cinelli não era apenas um coronel a discordar do resultado do inquérito, mas o ex-chefe da seção de informações do 1º Exército, que havia determinado ao DOI que enviasse agentes ao Riocentro para espionar o show.
Cinelli sustenta que o sargento e o então capitão Wilson Machado não foram designados para o serviço e que seguiram para o Riocentro com outros objetivos.
O coronel, que atualmente ocupa o cargo de coordenador-geral do setor de imigração do Ministério do Trabalho, disse que passou para a reserva porque se desgostou com o rumo das investigações.
Ele não concordava com a versão apresentada pelo ex-presidente Figueiredo e pelo general Newton Cruz.



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