São Paulo, 29 de Julho de 1996


Key West explora imagem
de Hemingway


Escritor da "Geração Perdida"que se rebelou contra ideais formais no pós-Primeira Guerra morou dez anos na ilha

Do enviado especial a Key West (EUA)

A imagem-clichê de Ernest Hemingway –de barba e cabelos grisalhos– virou estampa de souvenir em Key West, onde o escritor morou entre 1928 e 1938.
O autor de "O Sol Também se Levanta"(1923) foi "descoberto" em 1926. Dois anos depois resolveu passar seis meses no extremo sul da Flórida. Ficou dez anos.
O sobrado de pedras de coral na rua Whitehead 907, que comprou com sua mulher Pauline por US$ 8.000, em 1931, funciona como museu e local de romaria.
Aberta para o público em 1964, a casa foi construída em estilo colonial espanhol pelo comerciante e armador Asa Tift, em 1851.
Registrado como patrimônio histórico, o sobrado mantém as características arquitetônicas.
No jardim moram 50 gatos com seis dedos em cada pata, descendentes dos bichanos do escritor.
"Papa" com sua imagem grisalha também está estampado em camisetas e os bares Sllopy Joe's e Captain Tony's Saloon reivindicam terem sido frequentados por ele –o que rende bom dinheiro.
Mas o fantasma de Hemingway também está presente num concurso anual com sósias fisionômicos da época em que o escritor se parecia com um velho lobo-do-mar.
Curiosamente, o Hemingway (1899-1970) que chegou à cidade aos 29 anos era um jovem de bigode discreto e sem cabelos brancos.
O escritor John Dos Passos, seu grande amigo, havia estado em Key West no início dos anos 20 e, numa carta, comparou a viagem de trem pelas ilhas de coral a "flutuar num sonho".
Embora jovem, Hemingway já não era na ocasião um marinheiro de primeira viagem.
Com enorme vocação para se transformar num escritor-mito, daqueles que fazem de suas vidas uma espécie de romance, Hemingway logo pôs os pés na estrada.
Nascido em Oak Park, Illinois, era filho de um médico que adorava caçar e pescar.
Cedo acompanhou o pai em viagens por territórios indígenas e, aos 15 anos, largou estudos.
Lavou pratos no subúrbio de Chicago até que conseguiu emprego de repórter no Kansas City Star.
Já de olho no estrelato literário, Hemingway tentou se alistar no exército para ver de perto a Primeira Guerra Mundial.
Mas havia um oculista no caminho e Hemingway foi recusado por não enxergar bem.
Entrou então na Cruz Vermelha e se transformou em motorista de ambulância, até ser ferido, em 1918, em Fossalta di Piave, na fronteira entre Itália e Áustria.
Hospitalizado em Milão, apaixonou-se pela enfermeira, Agnes Hannah von Kurowsky, de 26 anos, sete mais velha do que ele.
Voltou para os Estados Unidos e, na qualidade de correspondente de guerra não correspondido no amor pela enfermeira, acabou se casando pela primeira vez e se mudando para a França.
Americano em Paris, trabalhou para o jornal Toronto Star, e logo se aproximou dos escritores que faziam a festa nos idos de 1925: F. Scott Fitzgerald, Gertrud Stein e Ezra Pound.
Espírito inquieto, Hemingway visitaria Paris sete vezes durante sua vida.
Depois da primeira, que se transformou no livro "'Paris é Uma Festa", o escritor buscou inspiração em outros "fronts".
Participou da Guerra Civil Espanhola ao lado dos legalistas, da guerra greco-turca, viu a Revolução Cubana, a Segunda Guerra e fez safáris na África.
Caçador de emoções, romântico e aventureiro, criou um padrão de masculinidade e, com estilo conciso, quase jornalístico, escreveu a história de homens duros.
Ganhador do prêmio Pulitzer em 1953 e do Nobel de Literatura em 1954, Hemingway colecionou mulheres, admiradores e críticos.
Fanfarrão, escreveu para uma amiga italiana dizendo: "Gosto de fazer o amor, combater, beber, ler, pescar, caçar, escrever. Imagino que combater e beber sejam vícios, mas ambos me agradam."
J. Edgard Hoover, o todo-poderoso do FBI, definitivamente não simpatizava com o estilo (de vida) do autor de "Por quem os Sinos Dobram", "Adeus às Armas" e "O Velho e o Mar'.
Ernest Miller Hemingway, que chamava o órgão de "a Gestapo Americana", era fichado como "comunista e bêbado".
Torturado pela chegada da velhice, o escritor, que na juventude foi um apaixonado pelas touradas, lutas de boxe, brigas de galo e pelos safáris, foi sua última presa.
Pouco antes completar 62 anos, na manhã de 2 de julho de 1961, Hemingway apontou uma carabina Boss, de dois canos, contra o pescoço e disparou.
Já havia tentado suicídio nos meses anteriores e acabou chegando ao fim numa fazenda de Ketchum, Idaho.
O tema da morte como ritual, que ronda a obra de Ernest Hemingway, acabou transformado no seu réquiem auto-biográfico.
(Silvio Cioffi)

CASA E MUSEU ERNEST HEMINGWAY: tel. local (305) 294-1575; aberto todos os dias, das 9h às 17h; entrada: adultos US$ 6 e crianças US$ 1,50.



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