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De início hostilizado por concorrentes, Roberto Marinho construiu em cinco anos, a partir da abertura da primeira emissora, em 65, a maior TV do país

O dono do mundo

MARIO SERGIO CONTI
DA REPORTAGEM LOCAL


Abril Imagens
O presidente das Organizações Globo, jornalista Roberto Marinho
Roberto Marinho tinha 60 anos quando inaugurou a sua primeira emissora de televisão, no Rio de Janeiro, em 1965. Era dono de um jornal, “O Globo”, e de uma emissora de rádio. Em contrapartida, não dispunha de capital para aplicar no novo empreendimento e era hostilizado por concorrentes ferozes, a começar pelos Diários Associados, que colocou seus jornais, revistas e estações de TV em campanha contra a emissora recém-nascida.
Cinco anos depois, a Rede Globo alcançava dimensão nacional, era líder de audiência e detinha o maior quinhão das verbas publicitárias, enquanto o império dos Diários Associados ruía inapelavelmente.

O triunfo de Roberto Marinho se explica, em larga medida, pelo seu profissionalismo empresarial e pelo seu bom relacionamento com o poder federal, fosse ele militar ou civil.

Roberto Marinho obteve de Juscelino Kubitschek e de João Goulart a concessão das duas emissoras que serviriam de embrião para a Rede Globo. Como não tinha como colocá-las no ar, uniu-se ao grupo Time-Life. Em troca de 49% de participação no negócio, a empresa americana gastou cerca de 5 milhões de dólares para construir e aparelhar o estúdio da estação, no Rio.

Assis Chateaubriand e João Calmon, dirigentes dos Associados deflagraram uma campanha racista contra Marinho, chamando-o de ‘africano de trezentos anos de senzala‘, ‘débil mental sem remédio‘, ‘homem de cor da América do Sul‘ e ‘crioulo alugado‘.

O mote dos ataques era a proibição legal das empresas de comunicação associarem-se a grupos estrangeiros. O jornalista, contudo, havia se precavido: mandara uma carta a Castelo Branco, a quem havia apoiado em março de 64 para tomar a Presidência de Goulart, comunicando a associação com Time-Life.

Foi formada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o acordo. Discretamente, Castelo Branco fez com que a bancada governista tomasse o partido de Roberto Marinho na CPI, que encerrou os trabalhos inocentando o empresário.

Dentro da Globo, o jornalista delegou a construção da emissora a um grupo de profissionais. Na administração financeira, foi colocado Joe Wallach, executivo de Time-Life. Como responsável pelo conteúdo da programação nomeou Walter Clark e, mais tarde, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.

Nos primeiros anos de Globo, o jornalista ia quinzenalmente à emissora. Como nem tinha sala, acomodava-se na de Joe Wallach. Só quando demitiu Walter Clark passou a ir todos os dias .

Em 1969, Roberto Marinho rompeu a associação com Time-Life, e comprou dos americanos os estúdios da emissora. Fez um empréstimo de 3,8 milhões de dólares junto ao Citibank, avalizado pelo Banco do Estado da Guanabara, e deu como garantia todos os seus bens, inclusive sua mansão no Cosme Velho.

A par disso, continuou comprando estações retransmissoras, com as quais deu amplitude nacional à sua operação televisiva. Senhor do seu negócio, continuou a fazer com que se desenvolvesse segundo diretrizes profissionais, sem interferir nas decisões de seus executivos. Não dava palpites na programação, nas novelas, nos shows e programas humorísitcos. Só fazia valer sua vontade numa área: o telejornalismo.

Identificado com o ideário dos governos militares, Roberto Marinho os apoiou com entusiasmo. Dos generais presidentes, teve maior contato com Castelo Branco, a quem considerava um estadista. Nem por isso deixou de ter atritos com o seu governo.

Quando Juraci Magalhães, ministro da Justiça de Castelo, disse aos donos de empresas jornalísticas que deveriam promover um expurgo em suas fileiras, o empresário se negou a acatar a determinação com uma frase que ficou famosa: ‘Nos meus comunistas mando eu‘.

Durante os governos de Castelo, Costa e Silva e Emílo Médici, a Rede Globo foi submetida à censura. Não censura prévia, mas feita com base em proibições escritas e orais. Militares pediram, e Roberto Marinho consentiu, que a Globo levasse ao ar um programa de divulgação dos feitos do governo, intutulado ‘Amaral Neto, o Repórter‘.

Com o fim da censura, no governo de Ernesto Geisel, muitas das crises brasileiras engolfaram o principal noticioso da Globo, o ‘Jornal Nacional‘. Foi o que ocorreu na eleição para governador do Rio de Janeiro, em 1982, e na campanha pelas diretas-já, dois anos depois.

No primeiro caso, o ‘Jornal Nacional‘ divulgou os números da apuração da Proconsult, que davam o candidato governista, Moreira Franco, à frente do da oposição, Leonel Brizola. O pedetista protestou e, como de fato estava vencendo nas urnas, a Globo permitiu que ele desse uma entrevista ao vivo na emissora, na qual atacou os seus diretores.
Em 25 janeiro de 1984, pressionado pelo ministro da Casa Civil, Leitão de Abreu, Roberto Marinho proibiu que o ‘Jornal Nacional‘ noticiasse uma manifestação na praça da Sé, em São Paulo, pelas eleições diretas para presidente. O telejornal informou os telespectadores naquela noite que o ato na Sé comemorava o aniversário da cidade.

Meses depois, o empresário rompeu com João Figueiredo e a Globo passou a cobrir a campanha das diretas. Figueiredo era o presidente militar que conhecia há mais tempo, pois ambos haviam cavalgado juntos na Hípica carioca. Ele foi o único dos ditadores a dar uma nova concessão de TV à Globo, no interior de São Paulo.

As relações entre o jornalista e Figueiredo azedaram quando a Receita Federal, subordinada ao ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, barrou no Aeroporto do Galeão, no Rio, uma carga de equipamentos destinada à Globo. Poucos meses depois, o ‘Jornal Nacional‘ noticiou intensamente o envolvimento do ministro num caso de contrabando de pedras preciosas contrabando no qual Abi-Ackel não teve nenhuma participação.

O apogeu da influência de Roberto Marinho no Planalto se deu durante a Nova República. ‘Eu brigo com o ministro do Exército mas não com o Roberto Marinho‘, dizia Tancredo Neves, que o consultou na nomeação do ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, e colocou no ministério das Comunicações um seu amigo, Antonio Carlos Magalhães.

Já no meio do mandato, José Sarney fez com que Mailson da Nóbrega fosse sabatinado e aprovado por Roberto Marinho antes de colocá-lo no ministério da Fazenda.

Nas eleições presidencias de 1989, o jornalista ensaiou apoiar Mario Covas, do PSDB, e veio a aderir à candidatura de Fernando Collor em agosto, quando ele estava bem à frente nas pesquisas, com mais de 40% das intenções de voto.

A sustentação do empresário a Collor se manifestou de maneira mais acabada na véspera da votação. Foi ele quem ordenou que se levasse ao ar no ‘Jornal nacional‘ uma edição do debate final entre os candidatos explicitando que Collor havia sido o grande vitorioso.

O jornalista só veio a deixar de apoiar Collor quando o movimento pela sua destituição já ganhara as ruas. A partir do governo de Itamar Franco, Roberto Marinho se afastou gradativamente da direção da Globo.

Colocou seu filhos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto à frente da rede. Estes, por sua vez, seguiram os passos do pai, delegando a a profissionais a condução da emissora no dia a dia.

Aos 95 anos, Roberto Marinho ainda pergunta aos filhos como vão os negócios. Mas a sua relação básica com a Rede Globo é a mesma de milhões de brasileiros: a de teleslespectador. Ele não perde o ‘Jornal Nacional‘.


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