120 anos depois
Foi em um pasto na região central de São Paulo em 14 de abril de 1895 que Charles Miller conduziu o primeiro jogo de futebol no Brasil
Tudo começou em um domingo de outono, na várzea do Carmo, uma área com chácaras na região central da cidade de São Paulo.
Homens, alguns vestindo calças, enxotaram os animais que estavam num pasto perto da rua do Gasômetro e deram início ao que ficou conhecido como o primeiro jogo de futebol no Brasil.
A peleja aconteceu em 14 de abril de 1895, ou seja, nesta terça (14), terão passados exatamente 120 anos daquela disputa que parecia despretensiosa, mas que ganhou importância histórica.
O responsável pela partida foi o brasileiro Charles Miller (1874-1953), filho de imigrante escocês e mãe paulistana.
Aos 21 anos, ele reuniu funcionários da São Paulo Railway, responsável pela estrada de ferro Santos-Jundiaí, e da Gás Company, que cuidava da iluminação da cidade.
Não se conhece o local exato onde ocorreu a partida, mas historiadores asseguram que foi na região da várzea do Carmo, onde hoje está o largo do Gasômetro.
A área hoje é tomada por prédios, bares e lojas de material de construção. Não guarda, portanto, mais nenhuma ligação com o futebol.
Há 120 anos, porém, a várzea do Carmo era formada por chácaras, do lado direito da margem do rio Tamanduateí.
Por essa razão, Miller escolheu essa área para reunir amigos e ensiná-los aquele esporte que havia aprendido durante temporada de estudos na Inglaterra.
'QUE JOGUINHO BOM'
Ao voltar da Europa em novembro de 1894, Miller trouxe consigo duas bolas e um livro de regras do futebol.
Nos dez anos em que viveu na Inglaterra, ele foi atacante do time da escola de Bannister, do St. Mary (hoje Southampton) e da seleção de Hampshire.
De volta ao Brasil, tornou-se funcionário da São Paulo Railway e sócio do São Paulo Athletic Clube (SPAC), hoje Clube Atlético São Paulo, cuja sede fica no bairro da Consolação, no centro da cidade.
Miller passou, então, a divulgar a modalidade da qual era entusiasta entre os colegas de trabalho e de clube.
"Quando Miller chegou ao Brasil, só havia o críquete, tradicional jogo inglês. Não tinha futebol. Como o SPAC interrompia as atividades no verão, Miller teve de esperar até março de 1895 para reunir os colegas e disseminar o futebol. Primeiro começou a organizá-los e a treiná-los. Não havia campos e, por isso, as chácaras eram as áreas escolhidas para o jogo", conta o historiador John Mills, autor de "Charles Miller, o Pai do Futebol Brasileiro".
No início de abril daquele ano, a ideia do primeiro jogo amadureceu.
O time da ferrovia venceu por 4 a 2 a equipe da companhia de gás. Miller fez dois gols. No entanto, não há registro de quem tenha marcado os outros gols do jogo.
"Nada sobreviveu daquele jogo. A única informação que restou foi um depoimento dado por Miller ao jornalista Thomaz Mazzoni, de 'A Gazeta Esportiva'", explica Mills.
O depoimento foi publicado em edição em 1942.
"Ao chegar ao campo, a primeira tarefa que realizamos foi enxotar os animais que ali pastavam. Logo depois iniciávamos nosso jogo, que transcorreu interessante, sendo que alguns jogaram mesmo de calças, por falta de uniforme adequado", disse Miller a Mazzoni à época.
"Quando deixamos o campo já estava assumido o compromisso de promovermos um segundo jogo, sendo que a exclamação geral foi esta: 'Que ótimo esporte, que joguinho bom'", relatou.
RAÍZES PAULISTANAS
Após o primeiro jogo, outros passaram a acontecer, sempre envolvendo a comunidade britânica e seus descendentes. O fato de o grupo ser muito restrito, porém, fez com que outras equipes surgissem.
Casos do time do Mackenzie, formado em 1898; do Germânia (atual Pinheiros), fundado em 1899; do Internacional, também em 1899; e do Paulistano, já em 1900.
Com cinco equipes na cidade, ocorreram mais jogos e surgiram mais campos, como o Velódromo (hoje praça Roosevelt) e o Parque Antarctica (hoje estádio do Palmeiras).
Até dezembro de 1901, todos os jogos eram amistosos. Foi quando surgiu a primeira Liga Paulista, que no ano seguinte organizou o primeiro torneio oficial.
Miller abandonou os gramados em 1910. Sua despedida se deu em 11 de setembro, após ter vencido quatro Estaduais, feito 66 jogos e 34 gols, segundo John Mills.
Ainda virou árbitro de futebol e continuou acompanhando o esporte até 30 de junho de 1953, quando morreu de insuficiência renal em São Paulo, aos 79 anos.
A memória dele foi preservada pelo SPAC e também por John Mills. Hoje, o historiador trabalha em parceria com o clube na reconstrução de um memorial dedicado a Charles Miller, que ficará na sede do SPAC.
Lá estarão as taças que ganhou como esportista (também jogou rúgbi, tênis, críquete, entre outros), fotos, entre outros itens.
A inauguração do espaço deve acontecer no próximo mês de maio.