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Entrevista - Paulo Serdan

O cara pensa: 'Eu sou da Mancha, vou sair na mão'

PRESIDENTE DE HONRA DA TORCIDA MANCHA ALVIVERDE DIZ QUE 'BRIGAR FAZ PARTE' E QUE PODE HAVER RETALIAÇÃO APÓS MORTES

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Paulo Serdan é uma das lideranças mais controversas das torcidas organizadas de futebol. Presidiu a Mancha Verde (rebatizada em 1997, após extinção, de Mancha Alviverde) de 92 a 2005. Já deu soco em treinador, coordenou uma invasão à sede do Palmeiras e participou de várias brigas envolvendo torcidas.

Hoje, aos 45, com rosto marcado por um acidente com fogos de artifício (num Réveillon, não numa briga) ele dirige a escola de samba da Mancha Verde. É também uma espécie de conselheiro especial da torcida organizada -Serdan foi nomeado seu presidente de honra e é sempre ouvido nos momentos mais críticos.

Como agora, na semana do incidente envolvendo torcedores palmeirenses e corintianos ocorrido no domingo passado, que deixou duas vítimas fatais, André Alves Lezo, 21, e Guilherme Vinícius Jovanelli Moreira, 19, ambos integrantes da Mancha.

Filho de Michel Serdan, que por muitos anos comandou o programa "Gigantes do Ringue", e ex-segurança da Fonseca's Gang, Paulo hoje é um empreendedor de sucesso. Além de produzir shows e eventos, é proprietário de uma confecção responsável por 40% dos produtos que levam o logotipo ou fazem referência à Mancha -tanto para a escola de samba como para os estádios.
Ele recebeu a Folha para a seguinte entrevista.

Folha - Como está o ambiente na Mancha?
Paulo Serdan - Péssimo. A diretoria é nova, esta é a primeira vez que perdem gente tão próxima. O sentimento é complicado, não é uma coisa que cicatriza, não. Os caras não estão encarando numa boa. Até pela forma que foi. Se tivesse sido um encontro casual, aí tudo bem, mas infelizmente não foi.

Qual a sua versão dos fatos?
Cerca de 200 torcedores estavam fazendo o trajeto que sempre fazem, pela avenida Inajar de Souza [zona norte da capital], com escolta da PM. Em determinado momento, os caras surgiram do nada pelas costas, a grande maioria encapuzada, com barras de ferro, pedaços de pau, cabo de enxada e muitos fogos, bateria de rojão. Acenderam tudo de uma vez, o que me parece estranho e premeditado, porque num confronto -e eu participei de vários-, se você escuta barulho de tiro já fica ligeiro e procura um lado para correr. Mas o barulho dos rojões confundiu geral.

Vai ter retaliação?
Aí é só o tempo pra dizer. Não tem como você prever. Vai depender muito do trabalho da polícia. Agora está na hora de aparecer esse trabalho, apontando quem fez, como fez e com punição. Se não acontecer nada, se o poder público demonstrar incompetência, vão achar que tem que fazer pelas próprias mãos, aí vai ser a lei do cão.

O que deve ser feito?
Se tivesse legislação, com penas duras, não teria nem alambrado no campo. A impunidade é que cria essa situação, ela vai produzindo heróis. É tudo coisa de criança. Se num tumulto que teve o cara deu um soco bem dado, ele ganha respeito. Se o cara é preso com uma bomba, ele simplesmente é encaminhado pro distrito policial, assina um termo e volta. Desse jeito a molecada o admira, ele começa a fazer seguidores.

E o policiamento?
Em seis ou sete anos, o trecho da avenida Inajar de Souza até a ponte da Freguesia do Ó, de uns 4 ou 5 km, já foi palco de pelo menos umas 15 brigas. Então não foi um acidente, era previsto que uma desgraça podia acontecer. Está na hora de a polícia mobilizar mais gente, ao invés de só ficar investigando redes sociais na internet e mandar duas viaturas com dois homens pra fazer a escolta.

Mas esta briga não foi marcada pela internet?
Isso é lenda. Os caras sabem onde vão se encontrar. Eles moram no mesmo lugar, eles se conhecem. Para eles é adrenalina, aventura. Você não tem condição de surfar em Maresias ou jogar Playstation. Nem empinar pipa pode. Então qual é a diversão? O cara pensa assim, "eu sou da Mancha, se trombar com os caras vou sair na mão". Brigar faz parte. Você tem que acabar com esse lado.

Qual é o perfil do torcedor da Mancha?
Hoje são aproximadamente 35 mil associados. A grande maioria é homens, entre 17 e 25 anos. Predomina a classe média baixa. São pessoas com dificuldades familiares, financeiras, sem perspectiva de estudo, que começam a trabalhar desde cedo. E que encontram na torcida um amparo, que começam a enxergar que ali é a sua segunda e às vezes sua primeira família. É bom lembrar que realizamos diversas ações sociais, como doação de sangue, arrecadação de alimentos, campanha do agasalho. A verdade é que, na torcida, as dificuldades são as mesmas para todos.

Adianta banir as organizadas dos estádios?
A proibição é para a imprensa e a sociedade baterem palma. Mas por mais que tentem, a torcida não vai acabar nunca -pode até entrar sem a camisa no estádio, mas não vai acabar. E pior, assim você acaba encorajando a criação de grupos menores, de maneira que a liderança já não tem mais ascendência e controle. É o que rola hoje.

Em todas as torcidas?
A Gaviões por exemplo, não tem uma liderança. E se você não tem liderança, não tem palavra. Mais irritante é ver a força que eles têm, recebendo apoio até do ex-presidente Lula.

Parece que o incidente de domingo passado foi motivado pela morte de um corintiano no ano passado em outra briga de torcedores.
Dizem que ele foi atirado no rio Tietê, mas a verdade é que ele pulou da ponte. A polícia sabe disso, mas não admite. Pelo que sei foi afogamento, não tem escoriação no corpo. O que acontece é que nesse tipo de briga, um lado sempre vai correr. E nessa pode haver uma dispersão. Ele sobrou, o pessoal correu atrás dele, ele e se jogou apavorado.

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