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Ex-goleiro do São Paulo supera acidente e tetraplegia para alcançar, na vela, o sonho olímpico

LUCAS REIS
DE SÃO PAULO

Enquanto São Paulo fervilha em carros, barulho e fumaça, Bruno, 26, veleja por horas pelas águas tranquilas da represa de Guarapiranga.

Ele fecha os olhos para sentir o barco nas mãos, conforme orienta seu treinador, e se lembra que um dia lhe disseram que mexer as pálpebras seria o único movimento físico que conseguiria fazer.

Foi em 2006. Bruno Neves tinha acabado de completar 20 anos, era o terceiro goleiro do São Paulo, campeão mundial sub-20 com a seleção candidato a sucessor de Rogério. Planejava disputar a Olimpíada de 2008.

Então, sofreu um acidente de carro na rodovia Régis Bittencourt. Seu colega Weverson Saffiotti, 19, quarto goleiro do clube, e a jogadora de vôlei Nathália Manfrin, 19, que atuava no Osasco, estavam no carro. Morreram.

Bruno passou oito meses internado, três deles sem falar, mais outros três sem comer, e ficou tetraplégico.

Seis anos se passaram, e Bruno vai realizar o que sempre sonhou: estará em uma Olimpíada, a Paraolimpíada, em Londres, daqui a três meses. Ao lado da amiga Elaine Pedroso da Cunha, que ficou paraplégica também em decorrência de um acidente de carro, Bruno conduzirá a única embarcação da vela brasileira na competição inglesa.

"Tinha programado ir à Olimpíada em 2008. Mudou a data, o lugar e o esporte. Mas o sonho será realizado", contou Bruno à Folha enquanto navegava em uma tarde de treinamento em barco à vela adaptado, na represa, na zona sul de São Paulo.

APAGÃO

Bruno conta que não se lembra de quase nada. Dirigia pela Régis, já madrugada, quando veio um apagão. Acordou 20 dias depois na cama de um hospital: foi o tempo que passou na UTI. Não se mexia. Aos poucos ele foi se dando conta do ocorrido.

Ele dirigia o carro que capotou na estrada. Com 1,92 m, sofreu o efeito chicote no acidente: lesão medular das vértebras C5 e C6. Foi submetido a cirurgias, teve água drenada do pulmão, recebeu placas de titânio e pinos. Ficou oito meses internado.

"Nesse período fiquei, no máximo, duas horas sentado. Os médicos diziam que eu só conseguiria abrir e fechar os olhos", afirmou.

Começou a fazer fisioterapia ainda no hospital, três vezes por dia. "Tive que aprender tudo de novo, tinha muita dor no pescoço, não havia resistência", relembrou.

"Fui melhorando aos poucos, sempre me cobrei muito. Por que só os outros é que fariam as coisas por mim?"

E foi assim, um dia de cada vez. Primeiro mexeu um dedo, depois uma mão, o pescoço já não doía tanto, até que conseguiu mexer os braços para frente e para trás. O suficiente para sentar em um barco adaptado e velejar.

Conheceu Elaine, com quem faz dupla na vela, nas sessões de fisioterapia em uma universidade. Uma das professoras sugeriu que ele experimentasse a sensação de velejar. Nunca havia subido em um barco. Como gostou da ideia, conseguiu que um barco fosse adaptado.

"Era mais pra sair de casa, fazer exercícios, trabalho de reabilitação. E fui gostando."

Para disputar provas em sua categoria, porém, precisava de uma mulher. Foi quando convidou Elaine.

Ganhou o apoio de amigos, parentes e do Clube Paradesportivo Superação. Hoje integra o Time São Paulo Paralímpico, apoiado pelo Governo do Estado. Treina com um barco alugado e obteve a vaga para Londres no Mundial disputado em Weymouth, Inglaterra, ano passado.

Até então, a dupla jamais havia navegado no mar e, mesmo assim, foi o único time nacional a conseguir a vaga na vela nos Jogos.

Bruno é o timoneiro: controla a direção. Usa uma cadeira adaptada com alavancas que move com os braços. Elaine controla a velocidade.

Hoje ele treina vela de quinta a domingo, de três a cinco horas por dia. Ainda faz fisioterapia, hidromassagem e musculação. E quase tudo mais: vai a barzinhos, baladas, cinema, shopping.

A próxima meta não é ganhar medalha -ele diz que dificilmente chegará entre os quatro ou cinco primeiros.

"Quero voltar a andar. Mesmo que seja com andador. Um dia de cada vez."

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