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À margem

Impacto causado pelos Jogos, como despejos e inflação, gera protestos em bairro vizinho ao Parque Olímpico

DANIEL BRITO
RODRIGO MATTOS
ENVIADOS ESPECIAIS A LONDRES

Do lado de fora da grade do Parque Olímpico, em um gramado ao lado do rio Lea, 30 pessoas faziam um churrasco anteontem para protestar pelo fechamento de um trecho de uma ciclovia.

Foram os organizadores dos Jogos que, alegando motivos de segurança, interditaram 1 km da via que margeia o complexo esportivo.

O protesto é uma das manifestações de contrariedade de parte dos moradores do bairro de Hackney Wick, vizinho à principal sede olímpica, no leste de Londres, com os impactos dos Jogos.

São pessoas de baixa renda que vivem em conjuntos habitacionais padronizados e bem cuidados de até quatro andares ao lado do rio Lea. Pagam aluguéis com ajuda de subvenções do governo.

E reclamam do aumento do preço das moradias, dos despejos, de ruas e gramados cercados, das vistorias e desconfiança de seguranças, de barulho e de poeira.

"Os organizadores da Olimpíada criaram uma atmosfera que parece que nós, os moradores, somos inimigos", disse Dee O'Connell, 34, vendedora de roupas pela internet cuja janela de casa dá vista para o parque.

Em 2011, ela foi despejada de outro apartamento pelo dono, que subiu o aluguel de 1.000 libras para 2.400 libras para faturar nos Jogos.

"Estávamos esperando a Olimpíada. Agora, temos perspectiva diferente, porque a comunidade não participou de nenhuma maneira, o que é uma pena", contou Mathew Woods, 29, ex-recruta do Exército britânico.

Ele varria à beira do rio Lea, em frente à grade do parque. Por lá, antes, havia vista livre para um gramado. Mais à frente, havia fábricas. Hoje, está a cerca do parque.

Há poucos anos, antes dos Jogos, o bairro retomou sua tradição artística surgida quando abrigava escritores como George Orwell em seus tempos de miséria. Assim, passaram-se a se espalhar pelas ruas manifestações criativas contra o evento olímpico.

A Coca-Cola, patrocinadora da Olimpíada, pagou para pintarem um painel publicitário alusivo aos Jogos em um muro. Um artista repintou o local e o transformou nas iniciais do bairro: HW. Foi aplaudido por moradores.

A poucos metros do estádio, há uma pichação alusiva ao Parque Olímpico: "Imagine acordar amanhã e esta merda ter desaparecido".

Também no rio Lea, voltado para o parque, há um misto de bar e galeria de arte chamado Stour Space. Seu dono, Tony Wells, 46, descreveu as transformações do bairro.

"Em Londres, a ocupação de bairros começa com os artistas. Os investidores imobiliários trazem dinheiro, e os artistas saem. É um processo que dura de dez a 20 anos. Mas, aqui em Hackney, está ocorrendo em cinco, seis meses. Em breve, os trabalhadores que moraram a vida inteira aqui serão abolidos."

Perto do bar de Wells já há prédios mais novos e caros.

Outro incômodo para os moradores é a presença dos militares, que vistoriaram o Stour Space há poucos dias.

"Não agrediram nem gritaram com ninguém, mas me trouxeram lembranças da infância, quando vivi num campo de refugiados em meu país", disse a estilista Juliet Can, 32, de Uganda.

O clima de desconfiança em relação aos moradores ficou claro quando a Folha perguntou a funcionários do Parque Olímpico sobre como chegar a Hackney. Um deles recomendou cuidado, pois a reportagem poderia levar um tiro. Porém o índice de violência no bairro não é alto, segundo a polícia de Londres.

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