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Juca Kfouri

O julgamento do século

Condenação de Armstrong está para o esporte assim como a de Dirceu está para a política

LANCE ARMSTRONG, o ciclista sete vezes campeão da Volta da França, foi o herói de muita gente depois que venceu um câncer nos testículos e voltou a ganhar provas em cima de provas.

Seria o exemplo de superação mais impressionante da história do esporte, maior até que Ronaldo Fenômeno e suas quatro voltas por cima, embora uma coisa seja a gravidade da doença, e outra, o esforço para o atleta superar seguidas cirurgias no joelho.

Armstrong era o cara limpo numa atividade fartamente conhecida pelo uso de doping, tanto que dos nove últimos vencedores da Volta da França, a mais importante competição do ciclismo, nove deram positivo, três antes dele, dois depois.

O dossiê revelado nesta semana com mais de mil páginas e 26 depoimentos de ciclistas, 15 de sua equipe, não deixa pedal sobre pedal e tira definitivamente a máscara e o capacete de Armstrong.

Nosso herói era uma fraude e tão acostumado a mentir e a dissimular que mantém o discurso de que está sendo injustiçado e perseguido pelos organismos esportivos que o ajudaram a virar ídolo.

Parece às vezes até mesmo acreditar em seu discurso, convencido pela própria falsidade, situação amplamente conhecida nos consultórios psiquiátricos.

Tudo porque sempre soube que o mundo do ciclismo é assim mesmo, ou se dopa ou não se ganha, e ele optou por se dopar mais e melhor que os concorrentes, ao estabelecer uma rede sofisticada, e altamente lubrificada financeiramente, certo de que estaria protegido.

Pois seu mundo caiu.

José Dirceu, o líder estudantil que foi preso, virou guerrilheiro e mais poderoso ministro do governo Lula, simbolizou como poucos uma geração inteira -a de 1968.

E caiu na esparrela de usar as armas da burguesia contra a burguesia, comprá-la para fazer o bem. Convenceu-se disso a tal ponto que se deixou encantar pelas maravilhas da vida burguesa e virou um grande burguês, traído por raposa muito mais experiente nessa coisa de submundo.

Agora não falta gente boa para dizer que o STF mostrou sua face de defensora das elites, com quem tem compromissos de classe.

Pode ser, embora Joaquim Barbosa, escolhido por Lula, seu eleitor e de Dilma, de origem quase tão humilde como a do ex-presidente da República, definitivamente não caiba neste figurino.

Como não cabe reduzir um Celso de Mello a simplificação tamanha ou esquecer que a ministra Cármen Lúcia deixou claro que não condenava o passado de ninguém, mas o erro cometido.

E o erro está comprovado, não só pelo domínio do fato -algo que horroriza o juridicismo positivista, mas colabora com o jornalismo investigativo.

Sempre tive Armstrong como paradigma e sou da tal geração de 1968.

Razão pela qual ando macambúzio e me sentindo uma verdadeira besta.

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