Índice geral Esporte
Esporte
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ENTREVISTA - EMERSON LEÃO

Falta a esta geração compromisso com o profissionalismo

TREINADOR DO SÃO PAULO CULPA CARTOLAS, EMPRESÁRIOS E A SOCIEDADE PELA VAIDADE E DESLUMBRAMENTO DE NEYMAR E COMPANHIA

RAFAEL REIS
DE SÃO PAULO
THIAGO BRAGA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Para Emerson Leão, os problemas que levaram o São Paulo a tirá-lo de um hiato de 14 meses na carreira para conduzir o time na reta final de 2011 não são exclusividade do clube do Morumbi.
O treinador, 62, os últimos 47 vividos nos gramados, considera que vaidade, apatia, deslumbramento e falta de comprometimento são problemas que atingem o futebol brasileiro como um todo e que ameaçam o futuro.
À Folha Leão fez duras críticas a toda uma geração de atletas. Sobrou até para Neymar, que levou bronca pela recente aparição em um iate.

-

Folha - Após tanto tempo, você ainda leva os problemas do futebol para fora do campo?

Emerson Leão - Quem trabalha com futebol e não tem emoção deixou de trabalhar com futebol. O estresse é muito maior fora de campo. Quando você está dando treino é um deleite.
O duro é o resto.

Mas a derrota é algo que você ainda não aprendeu a digerir?
Depende da derrota. Essa de sábado [virada por 4 a 3 contra o Bahia] eu não consegui digerir. Com 47 anos de carreira, você acha que já viu de tudo. Mas cada geração que aparece tem novidades. Tem o social, que invadiu a vida dos jogadores, o promocional. Hoje, tem que ter cuidado, você lida com celebridades, com patrimônios.

E falta à nova geração o sentimento de não digerir derrotas? É uma safra de jogadores que se importam menos?
Acho que ela não está tão compromissada com o profissionalismo e o dever. Tem alguns [atletas] que não perceberam o que gera a indústria do futebol. Por isso, continuamos vendo algumas irresponsabilidades. O que falta é a competição. O cara joga a hora que quer porque sabe que é melhor do que os outros. Se fosse para o banco, quero ver se não mudava.

Logo que chegou ao São Paulo, você falou com o Casemiro, viu que ele tinha dois brincos e disse: 'Não'. É difícil colocar na cabeça dos jogadores que o foco deve ser a vitória?
A nova geração de homens usa brinco e tatuagem. Porque é a geração da noite, do funk, do piercing. Não é a geração da liberdade, da contestação, como foram os hippies. É a geração da vaidade. Eles, artistas, dançarinas de bunda de fora, jogadores, foram capturados [pela indústria da fama]. Todo time tem uma ou duas exceções, e elas são tratadas como bibelôs.

Isso estraga os jogadores?
Está contribuindo. Cada vez dão liberdade maior a eles. Você tem medo de repreendê-los, de orientá-los, porque ele são os fulaninhos.

A culpa é de quem: clubes, empresários ou sociedade?
Dos três. O dirigente sabe que jogador é patrimônio. O empresário, quanto mais o jogador mudar de time, melhor para ele. E a sociedade abraçou isso. É só ver o que aconteceu na USP. Os caras são presos por causa de um delito, se revoltam com a polícia, invadem um departamento, explodem o que veem pela frente e querem sair aplaudidos. É sinal dos tempos.

O São Paulo te contratou exatamente para conter esse clima. A situação de vocês é pior do que a dos outros times?
Os outros clubes pagam pelo mesmo mal. Mas alguém tem que falar, tem que conferir a nota. Pouca gente quer fazer isso, quer perder tempo. Outro dia, se eu não confiro a nota em um bar, tenho que pagar duas garrafas de vinho. Tem gente que diz que essa é uma atitude antipática. Antipático é eu deixar meu carro no restaurante, ele emprestar para um ladrão, guardar na rua em frente à minha casa e entregar todo ralado. O chato é o que faz o que antigamente era normal. Ser honesto e trabalhador viraram virtudes. Pô, é mais do que obrigação.

O fanatismo religioso de alguns jogadores é problema?
Já dirigi time que, de 20 atletas, 16 eram de uma comunidade. Você falava aqui, e o pastor mudava tudo lá.

Aceitaria que um jogador seu fizesse o que você fez quando era jogador e posasse para uma propaganda de cuecas?
Não vejo problema nenhum. Você precisa saber o que vai fazer e a conduta que vai ter. Quando eu era goleiro, fiz uma propaganda do frango. Imagina a responsabilidade que isso me trouxe. Tive de me dedicar mais. Podiam até falar que era filho da puta, mas não relapso. Sempre dormi cedo quando jogador. O técnico sabe quando você chega sem dormir, cheirado.

O consumo de drogas no futebol está aumentando?
O atleta profissional é muito vigiado por traficantes e oferecedores. Às vezes, o ópio não está na maconha ou na cocaína, está no oferecimento. Daqui a pouco, um atleta mal preparado se ilude. Se cai na mão alguma coisa a que ele não está acostumado, já se apaixona. Toda noite eles recebem cinco convites para festa. É lógico que curti a noite, mas tem tempo para tudo. Agora, parece que eles gostam de fazer e aparecer.

Precisam dos holofotes?
O atleta é holofote. As pessoas se aproximam dele para aparecer. O que você viu na internet hoje [ontem]? O maior craque que nós temos. [Antes da entrevista, Leão criticou Neymar pelo passeio com mulheres em trajes mínimos em um iate, que, segundo ele, poderia "machucar" o jogador e era um desrespeito à mãe do filho de menos de três meses do atacante].

Te incomoda ser sempre chamado de duro e polêmico?
Não. Só vai me incomodar quando me chamarem de desonesto, vagabundo, mau-caráter. Não tenho de dar explicações a ninguém.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.