São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

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JUCA KFOURI

O país do hímen complacente


Se aceitamos tudo o que está de volta na política, por que ponderar os mil gols de Romário? Porque sim


O JORNALISTA Ivan Lessa já definiu muito bem: "A cada 15 anos o Brasil esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos". Ou menos.
Fernando Collor discursou em sua volta ao Congresso Nacional e só faltou sair de lá carregado até pelos que ajudaram a tirá-lo do poder. Tucanos, petistas, petebistas, malufistas, lulistas, pefelistas (agora, democratas!), que deveriam estar na cadeia, também estão de volta.
E Ricardo Teixeira, indiciado 13 vezes numa CPI, não só é recebido com pompa e circunstância por todos os governadores do país como é por eles bajulado, cada um atrás de inscrever seu Estado como sede da eventual Copa de 2014 no Brasil.
"Ah, mas ele não foi condenado pela Justiça." Nem Collor.
E a mesma Justiça que todos criticam por sua lentidão e critérios elitistas serve assim de justificativa.
Ora, diante de tal falta de rigor, por que ser rigoroso, por exemplo, em relação aos mil gols de Romário?
Afinal, se há alguém que merece homenagens neste macunaímico patropi, é exatamente o Baixinho.
Aqui mesmo já foi escrito que, se ele comemora a façanha que se impôs, todos podemos fazê-lo.
Mas, tem sempre um mas, por chata que seja a insistência, não se pode perder a medida de que seus mil gols não se comparam mesmo aos de Pelé e que está aberto o precedente que permitirá que garotos recém-saídos das fraldas cheguem ao profissionalismo com 300, 400 gols, todos contabilizados e com súmulas.
Porque hoje em dia os registros são mais fáceis que antigamente, mais fáceis até do que nem tão antigamente assim, quando Romário tinha 13 anos e começou sua conta.
Ou se age assim, com rigor, ou se adota o estilo "aos amigos tudo, aos inimigos a lei".
E aí tudo bem, porque Vanderlei Luxemburgo é mesmo um excelente treinador e pouco importa a origem do dinheiro da parceria Corinthians-MSI.
Para quem sempre foi fã do futebol de Romário, o tem como o melhor que viu na grande área e não se conformou com a ausência dele na Copa de 2002, ou com seu corte em 1998, nada mais desconfortável do que ser visto como o chato de plantão, o cricri, o que rema contra a corrente, o anti-Romário, imagine.
Mas assim sempre terá de ser quando a verdade dos fatos for confundida como tem acontecido, seja em que área for, por mais que doa magoar as pessoas de que se gosta.
Alguém já disse que jornalista não tem amigos, nem anunciantes, nem governo, nem patrões, ou melhor, que o patrão do jornalista é o leitor, o ouvinte, o telespectador, o internauta. E que também estes devem ser contrariados sempre que engrossarem correntes que deixem de levar em conta o que é factual. É duro, mas é simples.
Afinal, não há como não se constranger ao saber que Ricardo Teixeira liga para Aldo Rebelo para informar a quantas anda a oficialização do título mundial do Palmeiras, outra bobagem que desencadeará mais algumas por parte dos clubes que obtiveram conquistas semelhantes à Copa Rio de 1951.
Mas Aldo Rebelo, o presidente da CPI da CBF/Nike, e Ricardo Teixeira tricotando?!
Haja pragmatismo.
Menos mal que Romário não está enganando ninguém ao dizer que seus gols são como são.
Só que, como sempre, na ânsia bajulatória, há os mais realistas que o próprio rei.
Nada que impeça a torcida para que Romário seja feliz hoje no Maracanã e que a sua alegria lhe dê mais força para lutar contra o preconceito em relação aos portadores da síndrome de Down.
Porque a luta contra o hímen complacente do Brasil, bem, esta luta parece que já está perdida.

blogdojuca@uol.com.br


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