São Paulo, sábado, 1 de maio de 1999

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Quem ocupa hoje o trono?

CÉSAR LUIS MENOTTI
especial para a Folha

Quando o sol caía sobre a incipiente careca de Alfredo Di Stéfano, apontando o ocaso de um grandíssimo jogador de futebol, todo-senhor das duas áreas e um verdadeiro ícone, já aparecia a explosiva, genial e incomparável figura morena de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que mostrou ao mundo que com samba e magia se podia jogar em toda a extensão do campo.
Quando Pelé se despedia do mundo e parecia que todos íamos ficar órfãos do bom futebol, quando pegava seus últimos saltos, dava seus últimos passes mágicos no Cosmos, já ingressava no cenário um senhor que, desde Amsterdã, dizia que, no futebol, sempre outra coisa era possível.
Magro, alto, pernas longas, só lhe faltava a oportunidade para escandalizar os senhores da repressão e das armadilhas, impondo sua canhota larga, precisa e elegante.
Sua maneira de pairar no gramado, seu jeito de ver tudo e indicar a partir de onde se ataca, em equipe, e não individualmente, sua capacidade de observar todos os pontos do campo, sem dúvida, o fizeram distinto. Um verdadeiro rei.
Johan Cruyff foi o piso a partir do qual o futebol holandês, sem ganhar um só título, com somente uma Eurocopa em suas vitrines, nos ensinou que se perde uma partida, sim, mas apenas isso. Jamais se perde a história.
O futebol holandês deixou para sempre o ensinamento de que, se se vence, também se podem, além de obter glórias e títulos, respeitar símbolos e valores próprios de um povo.
Mais tarde, um menino moreno, com sorriso de gnomo e a força que só os grandes têm, irrompia o firmamento do futebol. Levava em seus pés a tradição de lendários jogadores argentinos, como José Manuel Moreno, Adolfo Pedernera, Orestes Omar Corbata ou René Housseman.
Diego Maradona completava esse pôquer de distintos, de geniais, de incomparáveis.
Hoje, cabe uma pergunta, em meio a este futebol pós-moderno que faz do resultado e do utilitarismo todo um culto. Por que não há um sucessor? O último Mundial foi patético. Muitos pensaram que seria Ronaldinho, mas a história foi outra, e todos conhecem seu final.
Por que, perguntam os que conservam utopias, não há um seguidor desses quatro grandes? Pessoalmente, tenho algumas opiniões sobre a incógnita.
Em primeiro lugar, já não existe aquele futebol espontâneo e fresco das ruas. Para uma infinidade de pós-modernos, isso é antigo, malvisto e não deixa nenhuma lição.
Eu posso dizer a esses burocratas do futebol que não somente estão no comando do esporte, como também apregoam desde os grandes meios de comunicação, que essa foi a primeira escola desses grandes.
Esses quatro grandes sabiam tudo, e o que não sabiam inventavam. Mas, além disso, tinham a coragem de levar seu jogo até as últimas consequências. Hoje, o risco e a aventura aparecem como uma coisa fora de lugar. A especulação e a violência de um jogador contra outro ganham cada dia mais terreno.
Apesar disso, conservo intimamente a esperança de que apareça aquele que ocupe o trono vago. Oxalá possamos vê-lo antes de 2002.
˛


César Luis Menotti, técnico argentino de futebol, foi campeão mundial em 1978



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