São Paulo, sexta-feira, 01 de julho de 2005

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FUTEBOL

O caldeirão do Parreira

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Mal acabou o 3 a 2 em cima da Alemanha, e Parreira disparou os elogios generosos: corajoso e bravo, assim definiu seu time. Não que estivesse errado, porque a seleção foi isso. Mas faltou dizer: corajoso e bravo, mais que todos, foi ele mesmo, Carlos Alberto Parreira.
Desde a derrota por 3 a 1 no Monumental, o técnico foi alvo da hostilidade contra o quarteto ofensivo. No fundo, uma ilusão animou o tiroteio: a de que, com dois meias-atacantes e dois atacantes puros-sangues, é possível ter o mesmo vigor defensivo de quem ostenta mais meias pegadores. Não é.
Escrevi que se trata de uma opção estética. É também ideológica. Jogar com os "fab four" implica correr riscos. É o ônus. O bônus é o poderio do ataque. Como demonstrou diante de Grécia, Alemanha e Argentina, na Copa das Confederações, o quarteto não exige abandonar a retaguarda à própria sorte. Ou azar, como frente a México e Japão.
Herói da resistência, Parreira apanhou, mas não cedeu à transformação do quadrado em triângulo. Acreditava e provou: é possível encarar assim qualquer esquadrão. Deu lições defensivas a Ronaldinho, Kaká, Robinho e Adriano -todos ajudaram atrás.
Imagino como é difícil resistir. Há o debate legítimo sobre como armar a equipe. Repito: tática não é religião. Ao ousar com uma geração fabulosa, Parreira leva muita paulada. Se o Brasil vai mal, a controvérsia não se restringe a opções: insinua-se a inépcia do treinador.
Já falei da ciclotimia da torcida. Mas há ciclotimia igual: a do jornalismo esportivo. Jornalistas costumamos condenar o entra-e-sai de técnicos por causa dos resultados. Mas muitas vezes agimos deste modo: venceu, é bestial; perdeu, é besta -como dizia Oto Glória.
Ignora-se o meio-termo. No cinema, Truffaut não viveu só de genialidades como "Os Incompreendidos" (o melhor filme sobre infância e juventude de todos os tempos) ou "A Mulher do Lado" (o mais sensual). No futebol, não se acerta sempre.
Parreira é conservador, avesso a mudanças, mas muda. Não é retranqueiro. No projeto original para 94, só tinha um volante. Acabou com três. No Corinthians, venceu com três atacantes. Estreou o quarteto em Montevidéu. É sua aposta mais radical, e que encontra identidades no passado, como no solitário volante da seleção em 92 e 93. Parreira reencontra suas pegadas e seu caminho.
Nos EUA, passou à história como estrategista. Agora, quer ser regente de virtuoses. É o que o anima, intuo. O Parreira pintor pinta a calmaria das marinas. No campo, desenha serpentes, como descobriram na Alemanha. É um artista.
Ele treina o time e o melhora (há quem piore). Ajustou a zaga e foi campeão. Falta muito. No futebol total dos 4 a 1, os argentinos conheceram a sensação que me atordoa nesses dias de desventuras do país: ficaram zonzos. A poção que os estonteou saiu do caldeirão do craque Parreira.

Divergências
Meu time, hoje, para a Copa (que não é hoje): Marcos (Parreira prefere Dida), Cafu, Edmilson, Alex (para o técnico, Lúcio e Roque) e Roberto Carlos; Emerson e Gilberto Silva (Parreira vai de Zé Roberto; sou mais dois cães de guarda); Ronaldinho e Kaká; Ronaldo e Robinho (banco de Parreira, que prefere Adriano). São cinco divergências com o treinador.

Adriano é pop
Brilhante, Adriano, o craque da Copa das Confederações. Para mim, contudo, ele está para Ronaldo como Fernandinha Takai, do Pato Fu, para a jovem Rita Lee. Fernandinha reluz. É de arrepiar cantando "Uma lágrima", no tributo a Odair José. Mas não é a Rita dos Mutantes e do Tutti Frutti.

E-mail mario.magalhaes@uol.com.br


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