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BASQUETE
À flor da pele
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
"Trata-se de uma farsa",
bradou Allen Iverson.
"Um escroque de terno e gravata
continua um escroque", reclamou
Jason Richardson. "Não somos
empresários, e sim artistas",
chiou Paul Pierce. "Querem se livrar da cultura negra", acusou
Stephen Jackson. "É coisa de débil
mental", desabafou Tim Duncan.
Essas foram algumas das reações ao decreto da NBA que proibiu os atletas de usar tênis, shorts,
camisetas, agasalhos esportivos,
bonés, jóias e outros acessórios em
aparições públicas sem bola
(eventos beneficentes ou comerciais, viagens, entrevistas etc).
Muitos realmente não entenderam. O dirigente David Stern é
um liberal nova-iorquino, e o
basquete, de certa forma, sempre
esteve associado à contracultura.
Foi a NBA que, nos anos 70 e 80,
introduziu à Grande América
Branca tribos então ignoradas no
horário nobre. Grunges caipiras,
de jeans surrados e camisas xadrez; hippies lisérgicos, de camisetas coloridas e sandálias; ícones
da blaxploitation, de paletós e
chapéus berrantes.
Foi também a NBA a primeira a
transpor institucionalmente a
barreira racial. Pode-se dizer que,
graças a ela, o próprio esporte se
transformou, abandonando as
origens agrárias e abraçando os
códigos dos playgrounds urbanos.
Por que, então, coube justamente a ela dizer basta ao hip-hop?
"Nós apenas alteramos a definição do uniforme que se usa em
serviço," Stern tenta disfarçar,
não por desfaçatez, mas para não
atrair os holofotes para o verdadeiro problema de seu negócio.
O hip-hop ainda vende videogame, música e streetwear e de fato conta com a simpatia dos jovens do "subúrbio branco" norte-americano. Mas faz tempo que
parou de mover os cofres da NBA
e de comover o público que interessa ao mercado publicitário.
Pesquisa mantida em sigilo pela
liga revela que seu grande fã/consumidor hoje tem 46 anos, é branco, está casado e possui filhos.
Ele não se incomodava com a
negritude engravatada e polida
de Michael Jordan. Mas rejeita o
"in your face" promovido pela
nova geração de atletas negros.
O estudo diz que a estagnação
dos números do basquete (audiência, renda, receita) no mercado doméstico se deve justamente
ao enfado desse "hard user".
Stern havia resolvido sentar em
cima desse relatório, satisfeito
com os resultados além-mar e seguro de que ampliaria o faturamento com novas tecnologias.
Mas teve de se levantar há 11 meses, quando, junto com milhões
de americanos, viu a TV repetir à
exaustão as imagens bizarras do
quebra-pau entre jogadores e torcedores no jogo Detroit x Indiana.
A liga dos negros passou a ser
percebida como a liga de negros
mimados. O campeonato piorou?
"Ah, é por causa desses negros mimados." A seleção dos EUA fracassou na Olimpíada? "Ah, é por
causa desses negros mimados."
A "ditadura da moda" é, então,
a tentativa apressada da liga de
recuperar sua imagem, de reposicionar seu produto e, de certa maneira, de preservar suas conquistas sociais. Que aproveite o embalo da autocrítica para também restaurar a elegância do jogo.
Brasileiros 1
A ESPN será a única emissora a transmitir a temporada da NBA, com
jogos nas sextas e, às vezes, nas quartas-feiras. Mas a valer a grade
confirmada até fevereiro, o Brasil não verá até lá nenhum de seus cinco representantes em ação. O Denver, de Nenê, o Phoenix, de Leandrinho e Tischer, e o Toronto, de Baby, foram alijados. O Cleveland
terá seis partidas televisionadas até janeiro, mas Varejão só voltará de
contusão no mês seguinte. O telespectador precisa começar a chiar.
Brasileiros 2
Todo ano a liga promove uma enquete com os "general managers",
os chefões de cada um dos 30 times. Um deles acredita que Nenê será
aquele que mais vai evoluir ("estourar") nesta temporada. Outro
considera Tiago Splitter o melhor jogador em atividade fora da NBA.
E-mail: melk@uol.com.br
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