São Paulo, terça-feira, 01 de novembro de 2005

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BASQUETE

À flor da pele

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

"Trata-se de uma farsa", bradou Allen Iverson. "Um escroque de terno e gravata continua um escroque", reclamou Jason Richardson. "Não somos empresários, e sim artistas", chiou Paul Pierce. "Querem se livrar da cultura negra", acusou Stephen Jackson. "É coisa de débil mental", desabafou Tim Duncan.
Essas foram algumas das reações ao decreto da NBA que proibiu os atletas de usar tênis, shorts, camisetas, agasalhos esportivos, bonés, jóias e outros acessórios em aparições públicas sem bola (eventos beneficentes ou comerciais, viagens, entrevistas etc).
Muitos realmente não entenderam. O dirigente David Stern é um liberal nova-iorquino, e o basquete, de certa forma, sempre esteve associado à contracultura.
Foi a NBA que, nos anos 70 e 80, introduziu à Grande América Branca tribos então ignoradas no horário nobre. Grunges caipiras, de jeans surrados e camisas xadrez; hippies lisérgicos, de camisetas coloridas e sandálias; ícones da blaxploitation, de paletós e chapéus berrantes.
Foi também a NBA a primeira a transpor institucionalmente a barreira racial. Pode-se dizer que, graças a ela, o próprio esporte se transformou, abandonando as origens agrárias e abraçando os códigos dos playgrounds urbanos.
Por que, então, coube justamente a ela dizer basta ao hip-hop?
"Nós apenas alteramos a definição do uniforme que se usa em serviço," Stern tenta disfarçar, não por desfaçatez, mas para não atrair os holofotes para o verdadeiro problema de seu negócio.
O hip-hop ainda vende videogame, música e streetwear e de fato conta com a simpatia dos jovens do "subúrbio branco" norte-americano. Mas faz tempo que parou de mover os cofres da NBA e de comover o público que interessa ao mercado publicitário.
Pesquisa mantida em sigilo pela liga revela que seu grande fã/consumidor hoje tem 46 anos, é branco, está casado e possui filhos.
Ele não se incomodava com a negritude engravatada e polida de Michael Jordan. Mas rejeita o "in your face" promovido pela nova geração de atletas negros.
O estudo diz que a estagnação dos números do basquete (audiência, renda, receita) no mercado doméstico se deve justamente ao enfado desse "hard user".
Stern havia resolvido sentar em cima desse relatório, satisfeito com os resultados além-mar e seguro de que ampliaria o faturamento com novas tecnologias. Mas teve de se levantar há 11 meses, quando, junto com milhões de americanos, viu a TV repetir à exaustão as imagens bizarras do quebra-pau entre jogadores e torcedores no jogo Detroit x Indiana.
A liga dos negros passou a ser percebida como a liga de negros mimados. O campeonato piorou? "Ah, é por causa desses negros mimados." A seleção dos EUA fracassou na Olimpíada? "Ah, é por causa desses negros mimados."
A "ditadura da moda" é, então, a tentativa apressada da liga de recuperar sua imagem, de reposicionar seu produto e, de certa maneira, de preservar suas conquistas sociais. Que aproveite o embalo da autocrítica para também restaurar a elegância do jogo.

Brasileiros 1
A ESPN será a única emissora a transmitir a temporada da NBA, com jogos nas sextas e, às vezes, nas quartas-feiras. Mas a valer a grade confirmada até fevereiro, o Brasil não verá até lá nenhum de seus cinco representantes em ação. O Denver, de Nenê, o Phoenix, de Leandrinho e Tischer, e o Toronto, de Baby, foram alijados. O Cleveland terá seis partidas televisionadas até janeiro, mas Varejão só voltará de contusão no mês seguinte. O telespectador precisa começar a chiar.

Brasileiros 2
Todo ano a liga promove uma enquete com os "general managers", os chefões de cada um dos 30 times. Um deles acredita que Nenê será aquele que mais vai evoluir ("estourar") nesta temporada. Outro considera Tiago Splitter o melhor jogador em atividade fora da NBA.


E-mail: melk@uol.com.br

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