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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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FUTEBOL

A alma do atleta

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Para ser um excepcional atleta não basta ter talento. É preciso conviver bem com os elogios e críticas, ser solidário e disciplinado, ter equilíbrio emocional, uma boa auto-estima, ambição, humildade, garra, ousadia e outras características.
O craque sabe que é craque, mas sabe também que não é perfeito nem único. "A humildade não é o desconhecimento do que somos, mas o conhecimento e o reconhecimento do que não somos." Ele precisa também ter consciência de que só irá brilhar se os outros brilharem.
Não se pode confundir disciplina com repetição, servilismo e alienação. O atleta precisa ter liberdade para opinar, discutir, criar e ousar. Por outro lado, o talento, sem disciplina e método, torna-se improdutivo.
Dizem que os gênios são superinteligentes e indisciplinados. Mas são raríssimos.
A ambição, no sentido de lutar por seus desejos, é fundamental em qualquer atividade. As pessoas têm vergonha de dizer que são ambiciosas, como se fosse pecado, politicamente incorreto. Ela não é bem-vinda quando usada para enganar e prejudicar os outros. Sem garra, não se faz nada na vida. Até para chupar um picolé é preciso entusiasmo. A transpiração serve de apoio para a inspiração.
Há atletas de todos os tipos psicológicos. Ninguém tem uma única característica. Existem os fortes e autoconfiantes que acreditam sempre no que fazem. Crescem na adversidade. Vivem de desafios. Outros não podem ser vaiados, criticados, que se inibem. Dependem da aprovação do outro.
Há também os individualistas, narcisistas, que só jogam bem quando são os mais elogiados e bajulados. Quando o time tem outros atletas do mesmo nível ou melhores, ficam assustados e inibidos. Não sabem dividir.
Existem os que só jogam bem se não tiverem responsabilidade de decidir a partida. Procuram essa situação. Nunca serão craques. São coadjuvantes, cumpridores de esquemas táticos. São os mais comuns.
Ainda há os deslumbrados, sem autocrítica. Acham que são melhores do que são. Sentem-se perseguidos pelos técnicos e pela imprensa. Outros exageram na autocrítica e nunca acreditam nos elogios que recebem. Esse perfil está fora de moda.
Essa é uma simplificação e apenas alguns exemplos de dezenas de características psicológicas e de mistérios que habitam a alma humana.
Os atletas, por causa da fama e da responsabilidade, têm mais problemas do que uma pessoa comum. Antes de dizer que um jogador está em má forma técnica e física, a comissão técnica deveria investigar a alma do atleta. A ansiedade, a depressão e outros distúrbios não são raros.
O perfil ideal de um atleta seria o que associasse talento com garra, que fosse emotivo sem perder o controle de suas emoções, guerreiro e tranqüilo, disciplinado e ousado, ambicioso, sem esquecer que o conjunto e a união são fundamentais no sucesso de um time.
Evidentemente, esse super-homem não existe.

Autocrítica
Depois do show do Robinho na estréia do Santos na Taça Libertadores da América, na Colômbia, o jovem jogador disse que não estava satisfeito porque não tinha feito gols. Afirmou que precisa melhorar muito a finalização. Kaká também reconheceu que tem de treinar mais as jogadas pelo alto, pois raramente faz um gol de cabeça.
O fato demonstra a preocupação e a consciência desses jovens talentos com as suas qualidades e deficiências. Os técnicos também estão mais atentos. Uma das funções do treinador é a orientação e a correção das deficiências dos jogadores. Na imprensa, está se discutindo mais as qualidades técnicas dos atletas.
Numa entrevista, Kaká reclamou com razão que parte da imprensa, sempre que um jogador atua mal em uma partida importante, fala que ele amarelou e que não é jogador de decisão. Isso influencia e estimula a raiva dos torcedores.
Há inúmeros fatores envolvidos na atuação de um atleta, principalmente a qualidade de sua equipe e do adversário. Futebol é um jogo coletivo. Como regra, um jogador brilha quando atua numa equipe bem organizada.
Se Denílson, Felipe e outros jogadores habilidosos tivessem mais consciência de suas virtudes e deficiências, seriam hoje muito melhores.

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