São Paulo, terça-feira, 02 de abril de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

Seda chinesa

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Caro leitor, aposto que há vezes em que você nem passa os olhos por estas páginas esportivas. Ou, se passa, dá apenas uma olhada rápida nas notícias sobre seu time. Aposto que há dias em que você acorda um tanto mais sério e prefere ler o Clóvis Rossi, os editoriais, e os últimos acontecimentos no Brasil e no mundo. No dia do atentado ao WTC, por exemplo, só um fanático procuraria saber se o seu zagueiro tinha recebido o terceiro cartão amarelo. O esporte, nestes dias, fica relegado à sua desimportância.
Pois confesso que comigo se dá o mesmo. Há dias em que tanta coisa acontece no planeta que nem quero saber de futebol. Porém minha obrigação é falar sobre o esporte bretão e não há como fugir desta camisa-de-força (uma camisa-de-força macia e confortável, de seda chinesa). Mas nem sei porque comecei este texto assim. Vamos à rodada:
No sábado, tivemos uma partida interessante em São Januário. Depois de tomar o primeiro gol, o Vasco partiu para cima do Santos assim como os tanques israelenses foram brutalmente para cima do quartel-general de Iasser Arafat. O cerco foi terrível, e o Santos, acuado na defesa, não teve como sair para o jogo. Tal qual os palestinos, o time viveu de contra-ataques esporádicos contra a maior força do exército inimigo. Outra coincidência é que, assim como Eurico Miranda proíbe jornalistas em seu bunker, Ariel Sharon também decretou que Ramalah é uma zona militar fechada, e expulsou a imprensa. No final das contas aconteceu o previsível e justo empate, onde os dois saíram perdendo. Ou os quatro.
Já Guarani e Ponte Preta tiveram resultados chochos (uma derrota para o Palmeiras e um empate com o Bangu) e agora disputam a última colocação entre os paulistas. Ambos começaram o campeonato muito bem, com um discurso de renovação e eficiência. Porém, com o passar do tempo, viu-se que não eram tão renovados e eficientes assim. Mais ou menos como o governo, que começou seu primeiro mandato trazendo otimismo, mas que conseguiu, nestes sete anos, um crescimento do PIB de apenas 1,03% ao ano, número que o deixa abaixo de Itamar e, até, de Sarney.
Mas o grande clássico foi mesmo entre Corinthians e São Paulo. O jogo me lembrou a invasão da fazenda dos filhos do presidente Fernando Henrique pelo MST. No caso, o estádio Farazão seria a fazenda Córrego da Ponte e os sem-terra seriam os atacantes corintianos, que entraram por ali sem o menor respeito e fizeram uma grande festa, marcando 1 a 0 no primeiro tempo.
Porém, logo veio a vingança, com o tricolor empatando a partida. Mais ou menos como a Polícia Federal fez com os sem-terra, algemando os 16 líderes e obrigando-os a deitar no chão, mesmo depois de invasores e representantes do governo terem acertado um fim pacífico para o problema. Aliás, as revistas semanais pouca importância deram a este detalhe (exceção feita a "Isto É" e "Carta Capital"), preferindo apenas mostrar sua indignação pelo fato de os sem-terra terem sentado no sofá presidencial.
No fim dos dois confrontos campais, tanto Corinthians quanto MST conseguiram reverter um quadro negativo. O MST voltou às manchetes. O Corinthians, com os dois gols do meia Renato, garantiu-se nas semifinais do Torneio Rio-São Paulo.
Enfim, tudo são jogos, tudo são notícias.

Eletricidade
Quem se saiu bem na rodada foi o São Caetano, que se beneficiou da própria vitória e das derrotas e empates dos concorrentes. Mais ou menos como as distribuidoras de energia, que aumentaram suas tarifas na época do apagão (a título de indenização pela diminuição do consumo), mas não reduziram seus preços quando acabou o racionamento, e ainda estão às vésperas de outro aumento.

Unita
Mais feliz que o povo angolano, que finalmente verá a paz entre o governo e a Unita, está a torcida do América, que conseguiu sua primeira vitória no Rio-SP e já sonha em escapar do rebaixamento.

Dólar
Mais desvalorizado que o peso, só o Fla, que continua caindo pelas tabelas de pontuação. Do jeito que está, só tocando um tango argentino.

E-mail torero@uol.com.br



Texto Anterior: Notas
Próximo Texto: Tostão: Um atacante que dribla em direção ao gol
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.