São Paulo, quinta-feira, 02 de junho de 2011

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JUCA KFOURI

No leito de morte


O cartolão, agonizante, enfim aceita falar com o repórter que sempre evitou


O CHEFÃO dos cartolas está em estado terminal, abandonado numa cama de hospital, um ótimo hospital, diga-se desde logo.
Ninguém o visita, seus velhos parceiros desapareceram, só mesmo uma filha, mais grata, passa uma vez por dia para poder informar à família quantas horas lhe restam.
No mundo da bola, a sucessão do cartolão já está mais que decidida depois de uma guerra surda e milionária nos bastidores.
Exaurido e se sentindo traído, eis que o velho homem resolve se confessar, talvez por acreditar que a salvação ainda seria possível. Mas não pede à prestimosa enfermeira que chame um padre. Não, manda ligar para o jornal em que trabalha o repórter que nunca lhe deu sossego e o chama para conversar.
Surpreso e apressado o jornalista chega rapidamente. Ainda perplexo ouve do moribundo:
"Pode ligar o gravador. Vou contar tudo, embora nem haja muito o que contar".
"Como não há?", pergunta o perguntador.
"Não há porque, ao contrário do você sempre pensou, eu não sou ladrão."
"Mas jamais escrevi isso!"
"Sim, escrever não escreveu, mas acha isso e, além do mais, sempre deu a entender assim no que escreveu e disse. O que você nunca entendeu é que vivemos em mundos diferentes. O seu, idealizado, justo, ético, decente. O meu, real, pragmático, quem pode mais chora menos, é dando que se recebe. Posso garantir que jamais prejudiquei ninguém, até ajudei crianças carentes. Nunca, por exemplo, como tantos políticos, mexi com merenda escolar, tomei dinheiro público, essas coisas. Apenas cobrei de quem lucrava com o meu trabalho, remunerado de maneira insuficiente perto do que produzi. Então, tomei comissões, milionárias sim, bilionárias se você quiser, mas de multinacionais poderosíssimas, de grandes redes de comunicação, de empresários tão ou mais gananciosos do que eu, até alguns conterrâneos que conheci bem, gente que me esnobava pelas costas mas que tinha que depositar milhões em minhas contas fora do país", desabafou o chefão num jorro tão intenso que, fragilizado, até perdeu o fôlego.
"Pois é, em contas ilegais, que foi uma das coisas que descobri e publiquei, não?", pôde, enfim, perguntar o repórter.
"E daí? É ou era da sua conta? Quem me pagaria por tudo que eu fiz pelo país, pelo futebol?"
E foram suas últimas palavras. Para frustração do jornalista que ainda tinha tanto a perguntar...

blogdojuca@uol.com.br


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