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JOSÉ GERALDO COUTO
O país ausente
Na final masculina do tênis,
confrontavam-se na quadra
o russo Ievguêni Kafelnikov e o
alemão Tommy Haas. Na arquibancada lotada, uma voz masculina gritava de quando em quando: "Vai, Brasil".
Alguns torcedores riam, outros
se entreolhavam sem entender.
Na primeira vez, eu também ri.
Depois, aquela voz rouca e solitária foi adquirindo para mim um
tom cada vez mais melancólico.
É evidente que se tratava de um
brasileiro que havia comprado
antecipadamente ingresso para a
final, na esperança de que Gustavo Kuerten chegasse lá.
Mas, de algum modo, aquele
grito gaiato de "Vai, Brasil" sublinhava mais do que a mera ausência de Guga (eliminado, aliás, pelo mesmo Kafelnikov que iria
conquistar o ouro logo mais). Era,
sob o disfarce da galhofa, um apelo desesperado de órfão.
Viajamos ao outro lado do
mundo para descobrir que não
fomos nós que deixamos o país.
Foi ele que nos abandonou. Mais
ou menos como naquele verso admirável de Chico Buarque, "a cidade não mora mais em mim". O
Brasil não mora mais em nós.
Não me entendam mal. Não estou culpando Guga, nem os jogadores do futebol, nem os iatistas,
nem os fundistas. A palavra culpa
nem faz sentido aqui. Estou tentando captar e entender um sentimento geral.
O mesmo sentimento de orfandade apareceu dois dias depois,
na final do futebol. Havia muitos
brasileiros no estádio olímpico.
Todos torcendo ferozmente por
Camarões -o mesmo Camarões
que acabou com nosso sonho
olímpico.
Viemos para ver Alex, acabamos vendo Mboma.
Na multidão que deixava o estádio, um grupo de brasileiros gritava: "Ão, ão, ão, palmas pro negão". Antes disso, um gaúcho tinha pedido a Mboma, na beira
do gramado, que se deixasse fotografar com a camisa do Grêmio.
Com a medalha de ouro no peito, o craque fez sua vontade, e
achou a maior graça. Gente esquisita esses brasileiros, ele teria
pensado, se soubesse o que é Grêmio, o que é Porto Alegre, o que é
Brasil.
Esquisitíssima, eu diria. Andando em grupos ou sozinhos,
aprendendo e ensinando gritos de
guerra, tentando ruidosamente
não desaparecer na multidão, esses brasileiros perdidos na Austrália são a imagem de um povo à
procura de um país.
O Brasil não veio, nem virá. Como escreveu Drummond há meio
século, nenhum Brasil existe. É
um país a ser construído.
Dessa tarefa não podemos nos
eximir. É só no esporte que podemos festejar com a bandeira
alheia.
Vai, Brasil.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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