São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2000

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JOSÉ GERALDO COUTO

O país ausente

Na final masculina do tênis, confrontavam-se na quadra o russo Ievguêni Kafelnikov e o alemão Tommy Haas. Na arquibancada lotada, uma voz masculina gritava de quando em quando: "Vai, Brasil".
Alguns torcedores riam, outros se entreolhavam sem entender. Na primeira vez, eu também ri. Depois, aquela voz rouca e solitária foi adquirindo para mim um tom cada vez mais melancólico.
É evidente que se tratava de um brasileiro que havia comprado antecipadamente ingresso para a final, na esperança de que Gustavo Kuerten chegasse lá.
Mas, de algum modo, aquele grito gaiato de "Vai, Brasil" sublinhava mais do que a mera ausência de Guga (eliminado, aliás, pelo mesmo Kafelnikov que iria conquistar o ouro logo mais). Era, sob o disfarce da galhofa, um apelo desesperado de órfão.
Viajamos ao outro lado do mundo para descobrir que não fomos nós que deixamos o país. Foi ele que nos abandonou. Mais ou menos como naquele verso admirável de Chico Buarque, "a cidade não mora mais em mim". O Brasil não mora mais em nós.
Não me entendam mal. Não estou culpando Guga, nem os jogadores do futebol, nem os iatistas, nem os fundistas. A palavra culpa nem faz sentido aqui. Estou tentando captar e entender um sentimento geral.
O mesmo sentimento de orfandade apareceu dois dias depois, na final do futebol. Havia muitos brasileiros no estádio olímpico. Todos torcendo ferozmente por Camarões -o mesmo Camarões que acabou com nosso sonho olímpico.
Viemos para ver Alex, acabamos vendo Mboma.
Na multidão que deixava o estádio, um grupo de brasileiros gritava: "Ão, ão, ão, palmas pro negão". Antes disso, um gaúcho tinha pedido a Mboma, na beira do gramado, que se deixasse fotografar com a camisa do Grêmio.
Com a medalha de ouro no peito, o craque fez sua vontade, e achou a maior graça. Gente esquisita esses brasileiros, ele teria pensado, se soubesse o que é Grêmio, o que é Porto Alegre, o que é Brasil.
Esquisitíssima, eu diria. Andando em grupos ou sozinhos, aprendendo e ensinando gritos de guerra, tentando ruidosamente não desaparecer na multidão, esses brasileiros perdidos na Austrália são a imagem de um povo à procura de um país.
O Brasil não veio, nem virá. Como escreveu Drummond há meio século, nenhum Brasil existe. É um país a ser construído.
Dessa tarefa não podemos nos eximir. É só no esporte que podemos festejar com a bandeira alheia.
Vai, Brasil.
E-mail jgcouto@uol.com.br



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