São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2000

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ELE DESFAZ A OLIMPÍADA
Indiano comanda 365 pessoas no desmanche da Olimpíada; ao chão irão a arena da praia de Bondi e parte de ginásios e estádios de Sydney
Thomas, o demolidor


RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADO ESPECIAL A SYDNEY


Enquanto as delegações olímpicas contabilizam seus ouros, pratas e bronzes, o indiano Anand Thomas está mais preocupado com um metal bem menos precioso: 500 toneladas de aço.
Essa é a estrutura da arena do vôlei de praia em Bondi, e Thomas comanda desde a última quarta-feira sua demolição.
""Já que a torcida brasileira não derrubou depois das finais, eu vou fazer isso por ela", brinca.
A construção da arena demandou 112 dias e 625 operários. Sua desconstrução será mais econômica: 35 dias e 365 trabalhadores.
""Desmontar é fácil porque você pode quebrar as coisas. Para erguê-la, foi preciso mais cuidado", diz o mestre-de-obras.
Todos os ginásios e estádios em Sydney vão sofrer remodelações. Depois da arena de Bondi, a mais drástica é a do Dome, onde aconteceram as partidas de basquete e handebol. Suas tribunas estão sendo totalmente retiradas para que aquilo se transforme em um pavilhão de eventos.
As mudanças só não serão mais rápidas porque muitos locais vão ser usados durante a Paraolimpíada, que acontece na cidade entre os próximos dias 18 e 29.
A partir de novembro, porém, os prédios serão gerenciados por empresas concessionárias que ajudaram na sua construção. A administração do Parque Olímpico passa totalmente às mãos do Estado de Nova Gales do Sul, cuja capital é Sydney, em 2020.
Só o estádio Olímpico custou R$ 760 milhões e demorou 32 meses para ser construído.
As estruturas da arena de Bondi e do Dome não ficarão nem na Austrália. Elas serão embarcadas em um navio e levadas de volta para a Suíça, já que a empresa fornecedora é vizinha à sede do Comitê Olímpico Internacional.
""A Olimpíada é como um circo: aparece, diverte as pessoas e depois vai para outra cidade", define Thomas.
A edificação da arena do vôlei de praia foi especialmente traumática. Os frequentadores de Bondi tentaram barrar os tratores se enterrando na areia e brigaram com a polícia. A principal queixa era o impacto das obras na praia estreita e inclinada.
""Não era um problema nosso. Fomos contratados para construir e fizemos o trabalho", diz.
Para aplanar a área, foram removidos 6.000 metros cúbicos de areia. Foram cravadas 316 vigas de aço no local, que depois foi rodeado por 3,7 quilômetros de cerca. Tudo isso está desaparecendo e Bondi está voltando a seus frequentadores habituais: surfistas de barbicha, hippies de butiques e adolescentes asiáticos.
""Outra razão da pressa em demolir é que o verão está chegando e temos de dar lugar aos banhistas", afirma Thomas -a construção foi durante o inverno, quando ninguém tem coragem de enfrentar o frio Mar da Tasmânia.
As autoridades esperam que o turismo no país aumente com a divulgação trazida pelos Jogos.
Neste ano, a expectativa é o crescimento de 10%, chegando a 2,7 milhões de visitantes -a maioria formada por neozelandeses, japoneses e coreanos.
A Austrália, porém, quer atrair os turistas norte-americanos e europeus, se vendendo como um lugar com muito mais a oferecer que cangurus e coalas.
Os australianos acreditam que causaram uma boa impressão nos estrangeiros. O jornal ""The Australian" chegou a publicar uma página inteira só com os comentários de dirigentes e jornalistas sobre a cidade.
""O COI tem de tornar Sydney a sede permanente da Olimpíada. Não há cidade no mundo que se adapte melhor aos Jogos", disse o comentarista do canal norte-americano CNN Rick Reilly.
Sydney-2000 acabou ganhando o rótulo de ""Smiling Games" (em português, os Jogos Sorridentes), pela simpatia local -mais um crédito para sua vocação turística.
A mesma atração que sofreram os visitantes olímpicos atingiu Thomas, 38, para deixar a Índia e migrar para Sydney. Ele chegou em 1995, com mulher e filho.
Thomas só volta de férias para sua cidade natal, Bangelore, no sul da Índia. É para lá que ele vai no Natal, após terminar seu serviço olímpico, que começou em janeiro último.
O indiano já se considera um australiano. Adotou a religião protestante e torceu pelo país-sede na competição. ""O momento mais emocionante foi quando a bandeira da Austrália foi hasteada com o hino", afirma.
Seus subordinados são todos australianos. O trabalho deles começou retirando os adereços (flores, pôsteres, placas e bandeiras), passou pela fiação e encanamento e agora está em desencaixar as peças da estrutura.
""Eu só vi a Olimpíada pela TV. O ingresso estava muito caro. O máximo que fiz foi ir ao pub perto de casa, porque eles fizeram uma promoção de dar cerveja grátis quando a Austrália ganhava uma medalha de ouro", diz o operário George Salisbury.
Salisbury e Thomas não terão tempo de comemorar nos próximos dias. Serão jornadas de dez horas diárias de trabalho.
""Fica a sensação de que deu tudo certo", afirma Thomas.


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