São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

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FUTEBOL

Nova geração defende a carteira assinada, e mais experientes vêem com reservas projeto em curso no Congresso
Profissionalização divide a elite do apito

DA REPORTAGEM LOCAL

O sonho do emprego com a carteira assinada não é unanimidade na elite do apito brasileiro.
Na contramão dos árbitros mais jovens e do que quer Joseph Blatter, o presidente da Fifa, juízes mais experientes, como o mineiro Márcio Rezende de Freitas (trabalhando hoje pela federação catarinense) e o carioca Wagner Tardelli, ambos integrantes da entidade máxima da bola, põem em dúvida a profissionalização como solução para escândalos como o que hoje assola o futebol nacional.
Freitas, que se aposenta nos próximos meses, diz que a dedicação exclusiva ao futebol pode gerar muito tempo livre e conseqüências terríveis. Dá como exemplo o que aconteceu com Edilson Pereira de Carvalho. "Se o cara tem emprego fixo, não fica no bingo fazendo dívida", dispara o ex-presidente da Anaf, o sindicato nacional dos árbitros.
A entidade é hoje a principal incentivadora do projeto que está no Congresso para dar status de profissão à arbitragem. O texto já passou por comissões e espera agora a votação no plenário.
A nova geração do apito defende com veemência que a atividade ganhe status profissional. E eles apontam o principal obstáculo para que isso aconteça.
"O sorteio é incompatível com o profissionalismo. Como posso viver se não sei quando vou trabalhar?", diz o gaúcho Leonardo Gaciba, 34, que vive basicamente com suas atuações no futebol, referindo-se à prática adotada com o Estatuto do Torcedor. "Depender do sorteio torna nossa situação complicada. Sem regularidade, fica difícil se planejar", completa Paulo César de Oliveira, 31.
Pelo ponto de vista dos dois juízes do quadro da Fifa, a falta de garantia de uma renda mínima para a função não combina com o profissionalismo. E ainda reclamam de prejuízos técnicos.
"Às vezes fico duas semanas fora da escala e volto a apitar em um clássico regional, fora de ritmo. Mas sou cobrado como profissional", reclama Gaciba.
Novamente nesse caso a "velha guarda" tem opinião diferente. "Quem quer acabar com o sorteio é quem depende do futebol para viver", diz Wagner Tardelli, 41, o maior "sortudo" do Campeonato Brasileiro -seu nome é o recordista nas escalas da 1ª divisão.
Há ainda quem defenda uma solução intermediária.
Para Cleber Wellington Abade, o ideal seria uma remuneração básica, com um ganho extra para quem for sorteado. "O correto é existir um sistema de semi-profissionalismo. É o único jeito de o sorteio continuar existindo. Você precisa pagar bem o árbitro, para que ele possa investir em preparação técnica e teórica. A qualidade das arbitragens iria certamente melhorar", afirma ele.

Ética
A "blindagem ética" que a profissionalização traria aos árbitros aquece ainda mais o debate.
"Teríamos uma arbitragem com muito mais qualidade técnica se nós pudéssemos nos dedicar exclusivamente à profissão", acredita o paulista Oliveira.
Ácido nas declarações, o veterano Freitas ironiza o desejo do presidente da Fifa, que almeja uma remuneração anual de 100 mil (cerca de R$ 275 mil) para os árbitros. "Não adianta dar 100 mil para o cara. É o caráter que vai dizer se ele vai se corromper ou não", dispara o árbitro brasileiro na Copa da França-98.
Tardelli ataca quem se dedica apenas ao apito. "Quando me aposentar na arbitragem, com 45 anos, terei o que fazer. Ganho mais dinheiro no futebol, mas não dependo dele para viver."
Se diferem na opção pelo profissionalismo, os árbitros brasileiros fazem coro ao pedir um aumento em suas remunerações. "Comparado com o salário médio do brasileiro, o juiz ganha muito. Mas, se formos levar em conta nossa importância para o espetáculo, ganhamos pouco", diz Abade.
"Não temos reajustes há quatro ou cinco anos. O que ganhamos é pouco pela pressão. Além disso, o futebol virou um grande business", conclui Freitas. (GUILHERME ROSEGUINI E PAULO COBOS)


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