São Paulo, sábado, 02 de novembro de 2002

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FUTEBOL

Os profissionais também amam

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Dois jogadores saíram do jogo Palmeiras 2 x 1 Botafogo condenados por suas torcidas, mas por crimes opostos.
Se os palmeirenses condenaram Dodô por não amar o bastante a camisa alviverde, os botafoguenses condenaram Galeano por amá-la demais, mesmo depois de ter mudado de clube.
O suposto "corpo mole" de Dodô é algo impossível de ser aferido de modo objetivo, mas não dá para negar que seu comportamento em campo contrasta com a correria desenfreada (e muitas vezes descerebrada) de companheiros como Muñoz e Nenê. Talvez seja só uma questão de estilo, mas o torcedor não perdoa.
Quanto a Galeano, não tenho dúvida de que ele queria converter em gol o pênalti que bateu.
Se iria comemorá-lo ou não, é outra história. Mas o fato é que, desde Freud, sabemos que o homem não faz apenas aquilo que deseja conscientemente. Muitas vezes faz o contrário, por razões insuspeitadas.
Talvez, em algum desvão do inconsciente, Galeano tenha sentido o peso de tantos anos no Parque Antarctica, de tantas partidas jogadas com a camisa verde. Somente os levianos e os insensíveis trocam com muita facilidade sua segunda pele.
O episódio ganhou dimensões maiores pelo fato de Galeano ter declarado dias antes que, se por acaso marcasse um gol em seu ex-time, não o comemoraria, a exemplo do que o são-paulino Reinaldo fez contra o Flamengo.
Considerar mera frescura esse negócio de não comemorar gol é ter uma visão demasiado fria e "profissional" (no mau sentido) do futebol. Posso ser um otário, mas acho bonito quando determinados valores de lealdade e paixão sobrevivem, ainda que simbolicamente, no mundo tão mercantilizado do esporte.
Reinaldo foi, ao mesmo tempo, profissional (ao fazer dois gols contra seu antigo clube) e fiel a seus sentimentos (ao não comemorá-los).
Já o pênalti perdido por Galeano me lembrou de um episódio semelhante vivido por Edmundo, que foi demitido do Cruzeiro depois de desperdiçar uma penalidade contra o clube do seu coração, o Vasco, em São Januário.
No caso de Edmundo, alegou-se "justa causa" para a demissão porque o atacante tinha declarado, antes do jogo, que não gostaria de marcar contra o Vasco.
No caso de Galeano, fez-se um enorme barulho só porque o volante disse que, se marcasse, não comemoraria.
São coisas bem diferentes, mas ambas mostram que o melhor, nesses casos, é o jogador não dizer nada antes da hora. Seu profissionalismo e seu amor à camisa (tanto à nova quanto à antiga) se demonstram em silêncio, ali dentro das quatro linhas.

Releio os parágrafos acima e vejo que ficaram um tanto sisudos.
Muito mais divertida foi a reação da torcida palmeirense, que depois do pênalti perdido gritou em coro: "Uh, Galeano, uh, Galeano", como se ainda saudasse um dos seus.

Para encerrar o assunto Palmeiras, pelo menos por hoje, devo corrigir, a pedido de Levir Culpi, uma afirmação que fiz aqui sábado passado. Segundo o treinador, ele nunca cogitou convidar o deputado Enéas para dar uma palestra no clube, embora o considere "um homem inteligente".

De ponta-cabeça 1
Ao concentrar nas últimas rodadas vários jogos entre forças tradicionais, os organizadores do Brasileirão certamente esperavam que viessem a ser confrontos pelas primeiras colocações. Ironicamente, estão sendo brigas de foice para fugir do rebaixamento. Neste fim de semana são dois os "jogos da morte": Flamengo x Botafogo e Vasco x Palmeiras. A ponta de baixo da tabela está mais emocionante que a de cima.

De ponta-cabeça 2
No início do campeonato, alguns afoitos disseram que o São Paulo era "o Real Madrid do Brasil". Depois de alguns tropeços do time, outros afoitos disseram que o tricolor era só papo-furado. A ironia, no caso, é que o Real verdadeiro não vence há cinco partidas, e o São Paulo está ganhando todas. Hoje é o Real Madrid que gostaria de ser "o São Paulo da Espanha".

E-mail jgcouto@uol.com.br



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