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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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NO GRAMADO

Marcadores, não batam nele!

NILTON SANTOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem me disse isso foi o Zizinho, e nunca mais esqueci: há pontas que só servem para não deixar a bola escapar pela lateral. Você tenta meter a bola, mas eles não saem daquela faixa do campo, ficam ali, grudados na linha.
Hoje há muito jogador assim. É uma pena, principalmente em um país como o Brasil, que teve tantos camisas 7 espetaculares. Foram muitos. O Joel, do Flamengo, o Julinho, que deve ter até estátua na Itália depois de tudo o que fez na Fiorentina, o Sabará, do Vasco, o Cláudio, do Corinthians... E o Garrincha, claro.
Hoje não assisto mais futebol. Muita gente acha que é esnobação minha, mas não é. O futebol de hoje me irrita. Qualquer jogador mais habilidoso que aparece vira logo alvo de pancadas.
Por isso, ainda não vi o Robinho, mas todos me dizem que é um grande driblador, um garoto atrevido. Isso é ótimo, mas ele precisa se cuidar. Se posso dar um conselho para ele, é esse: continue driblando, mas se prepare para apanhar. Insista nos dribles porque essa é a sua característica. Mas fique sempre atento.
Faço também um apelo para os marcadores. Não batam nele. Não batam em nenhum jogador habilidoso. Tentem vencê-lo com técnica, com inteligência. O reconhecimento dos torcedores será muito maior, com certeza.
Não dá para falar de camisa 7 sem lembrar do Garrincha. Fui o jogador que mais conviveu com ele. Vi o Garrincha chegando e saindo do Botafogo. Viramos grandes amigos e compadres.
Contam até uma lenda, de que no primeiro treino dele em General Severiano ele me driblou, meteu a bola no meio das minhas pernas. Isso nunca aconteceu, mas eu deixo contarem essa história. Ele era meu amigo!
De vez em quando, em treino, tínhamos que nos enfrentar. E eu me orgulho muito do que aconteceu em 58, na Copa da Suécia.
Ele era reserva do Joel, estava irritado, louco para entrar no time, e eu tinha que marcá-lo nos coletivos. Eu não podia dar pontapé porque ele era meu amigo, mas não podia aliviar, senão corria o risco de perder a posição.
Um dia, vieram me dizer que o Garrincha ia entrar no lugar do Joel. Eu pedi para dar a notícia. Entrei no quarto dele, e ele estava ouvindo rádio. Eu disse: "Se prepara porque você vai jogar". Ele: "Não vou jogar nada. Se eu soubesse que ia ser assim, preferia ter ficado nas minhas peladas em Pau Grande". "Você vai jogar, sim. Capricha", eu falei. Aí, ele só disse uma coisa: "Pode deixar". Daí pra frente, todo mundo sabe.


Nilton Santos, 78, "a Enciclopédia do Futebol", foi lateral do Botafogo entre 1948 e 1964 e bicampeão mundial com a seleção brasileira em 1958 e 1962


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