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Filósofo português afirma que desigualdade do país está refletida no esporte
EDUARDO OHATA
DA REPORTAGEM LOCAL
Mestre do badalado técnico
José Mourinho e com 37 livros
publicados, o filósofo português Manuel Sérgio, 64, em visita ao Brasil para discutir a democratização do esporte, chamou de ""produto de uma sociedade vertical" o desastre do último domingo na Fonte Nova.
""O que aconteceu [na Fonte
Nova] foi um desrespeito, prova de que o povo está em último
lugar. O futebol é um espetáculo de massa, para o povo. Precisamente por isso não me admira que não haja consideração
para com esse público", dispara
Sérgio. ""Caso fosse um campo
de golfe, freqüentado pela alta
sociedade, estaria um brinco."
"Uma tragédia atingiu o povo? Então não há problema,
não conta". É esse o pensamento dominante em uma sociedade vertical, hierárquica", completa o filósofo, figura principal
de evento organizado pelo Instituto Unilever, na última semana, que discutiu formas de
democratização do esporte.
""O Brasil tem feito extraordinários esforços, prepara-se para ser uma potência em nível
mundial, mas tem algumas coisas que necessitam de cuidado.
Se não há base, não há desporto. Há um lazer desportivo praticado por quem tem dinheiro",
prossegue Sérgio, que ministrou aulas no Instituto Superior de Educação Física da Universidade Técnica de Lisboa.
A principal teoria formulada
por Sérgio, de cunho humanista, contempla situações como a
queda da Fonte Nova. Para ele,
o esporte é uma atividade humana, e não apenas física, ou
passaria a forma de alienação e
exploração. De nada adianta
haver bolsões de alto nível no
esporte se o entorno é caracterizado por falta de condições.
Para explicar suas idéias ao
público, Sérgio lança mão de
exemplos corriqueiros. Ele define esporte como a expressão
corporal do desenvolvimento
social e econômico de um povo.
""Os médicos recomendam
caminhar todos os dias, que isso ajuda a saúde. Mas muitos
jovens não o fazem porque estão fracos, pois passam fome.
Ou, com o organismo debilitado, quando jogam bola sofrem
fratura com facilidade", afirma.
""O que faz bem à saúde, melhor até do que caminhar diariamente, é viver feliz, em uma
sociedade sem medos", diz.
Ao ser questionado sobre casos como o da nadadora Rebeca
Gusmão, que está sob suspeita
de doping por ter ganhado uma
quantidade exagerada de massa, Sérgio também é crítico.
""Isso é uma mentira [como
esporte]. O atleta de competição se destrói. Ele responde e
multiplica as taras da sociedade, altamente competitiva. Veja o número de lesões que os jogadores sofrem no futebol."
E seu diagnóstico não se limita só ao esporte profissional.
""Sou contra o esporte precoce. Veja o que acontece na ginástica. Há meninos que nunca
foram crianças, não tiveram sonhos de jovem. Visitei a academia de cultura física de Moscou. Para mim, não serve. Tudo
o que não está a serviço do homem é mentira", pondera.
O filósofo aponta que o desporto pode ter uso político, se
apoiado na ideologia do Estado.
Para ele, as tabelas de classificação de competições como Jogos Olímpicos ou Pan não são
uma reflexão da realidade.
""Em sociedades injustas, o
desporto é injusto. Veja o Quênia. Eles têm excelentes fundistas, mas o país está imerso na
miséria. Isso é desporto?"
Sobre o fato de, no Brasil,
pais de classes mais abastadas
torcerem o nariz ao ouvir que
os filhos querem ser atletas
""porque acabarão na miséria",
ele diz ser uma questão de cultura. ""É porque não há o planejamento para o futuro dos atletas. Na Grã-Bretanha, há um
aproveitamento nas faculdades
de 80% dos atletas olímpicos..."
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