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Sir Walter Scott e o futebol do futebol
RODRIGO BERTOLOTTO
da Reportagem Local
Nesta quarta-feira, às 18h45,
no estádio do Morumbi, será dado o início oficial para a nova ordem do futebol no planeta.
Nesse dia e hora começa o primeiro Mundial de Clubes da Fifa,
com Corinthians, Vasco, Real
Madrid, Manchester e mais uns
times coadjuvantes, como o Necaxa e o South Melbourne.
Os céticos e passadistas anunciarão seu fracasso, com base na
idéia de que ""Mundial ou Copa
mesmo tem de ser de seleções".
Fechando os olhos para a realidade ao redor, eles continuarão a
acreditar que o esporte é o último
santuário do nacionalismo.
Mas essa idéia não resiste ao ensinamento tirado de um episódio
do século 19. Vamos a ele:
Com uma mentalidade de folclorista, Sir Walter Scott (1771-1832) deixava várias vezes sua
Edimburgo natal para excursionar pela fronteira anglo-escocesa.
Em uma dessas viagens, em 1815
(é quase uma afronta falar em
ano tão distante nesse momento
em que todos só se importam listar o pior e o melhor do século 20),
o romancista, autor de ""Ivanhoé",
testemunhou e até arbitrou uma
partida de futebol.
Na época, o futebol era um divertimento de poucas regras, praticado só por camponeses.
Ganhava a aldeia que transportava pelas pastagens e colinas a
bola, feita de tripas, até a entrada
do povoado vizinho.
Sir Walter Scott se esmerou em
descrever as cenas detalhadamente, como se aquele jogo fosse se extinguir na década seguinte.
Depois, fez um poema para o futebol, o primeiro exemplo de reverência literária à modalidade.
""Dispa-se, rapaz, e enfrente,
mesmo no frio cortante, o infortúnio de cair, mas pense: há coisas
piores que tombar no chão, afinal, a vida não é nada mais do
que um jogo de futebol."
O que ele não sabia é que aquele
esporte lamacento e brusco ganharia uma vida longa e próspera, transformando-se em uma indústria que movimenta na atualidade bilhões de dólares ao ano.
Isso mostra que só se compreende as mudanças internas de uma
única forma: analisando a História, com ""h" maiúsculo.
O futebol foi domado pelos estudantes de Oxford, que lhe deram
leis e um formato para virar produto de exportação do Império
Britânico, que o espalhou de navio pelo mundo.
Todas as mudanças históricas
seguintes atingiram em cheio a
modalidade, provocando transformações irreversíveis.
Simultaneamente às conquistas
trabalhistas pelo mundo, veio a
profissionalização do futebolista
nos anos 30.
O mundo polarizado do século
20 estimulou as competições
mundiais, como se os gramados
repetissem em miniatura os conflitos, bélicos ou latentes.
A televisão, nos anos 70, e o
marketing, nos anos 80, entraram
na jogada para tornar o esporte
um grande negócio.
A mais recente e radical mudança é a transformação dos clubes em empresas, e os jogadores
em prestadores de serviços.
Na verdade, os clubes, seguindo
o exemplo das próprias nações,
estão sendo engolfados por grandes corporações multinacionais.
Como o centro de poder e dinheiro se deslocou das repartições
públicas para os escritórios privados, saíram enfraquecidas a idéia
de Estado-nação e, sua versão futebolística, a seleção nacional.
É justamente isso que os passadistas ainda não captaram.
Claro que não está decretado
aqui o fim imediato da tradicional Copa do Mundo.
Mas esse evento terá de se acostumar com a concorrência, bastante desleal, que os clubes farão.
E não será surpresa se as agremiações clubísticas vencerem o
braço-de-ferro com as federações,
esvaziando as seleções.
Isso já acontece atualmente,
mas o foco dos clubes está centrado nos torneios continentais e nas
eliminatórias.
Um exemplo claro é a Copa
América, a mais antiga competição continental de seleções no
mundo (começou em 1916).
Tanta tradição não resistiu a
pressão dos clubes europeus que
não querem liberar suas peças
sul-americanas, e o torneio virou
um espectro do que era.
Para o brasileiro, esse novo cenário é mais difícil de aceitar,
porque ainda a seleção verde-e-amarela é uma marca muito
mais forte mundialmente que
qualquer clube local -o Santos
de Pelé, claro, a frente deles.
Mas se for usada a ótica européia, tudo fica mais nítido, afinal,
lá o cenário é de clubes fortes e seleções enfraquecidas.
Real Madrid ou Barcelona têm
mais nome que a seleção espanhola. O Benfica possui mais feitos que o selecionado português.
Juventus e Milan não ficam nada
a dever à chamada ""Squadra Azzurra", e os do Manchester rivalizam em pé de igualdade com os
do "English Team".
Mas a chegada de grandes grupos financeiros, como a HMTF, a
ISL ou a Octagon, ao futebol brasileiro vai europeizar a paisagem.
O Mundial de Clubes, que logo
mais começa, deve sofrer alguns
tropeços de início.
A própria Copa do Mundo
quando partiu em 1930 foi menosprezada e boicotada e só engatou mesmo após a Segunda
Guerra Mundial.
Contra ou a favor, vá se acostumando. E sinta-se bem-vindo ao
adorável futebol novo.
José Geraldo Couto, que escreve neste espaço às segundas-feiras e aos sábados, está
de férias
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