São Paulo, segunda-feira, 03 de junho de 2002

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JOSÉ GERALDO COUTO

Orquestra argentina já dispensa solistas geniais


O futebol barroco, opulento e sinuoso de Maradona foi trocado pelo jogo retilíneo, enxuto e objetivo de Verón


Valeu a pena ficar acordado para ver Argentina x Nigéria. Apesar da escassez de gols, foi a melhor partida da Copa até agora, até porque a goleada de 8 a 0 da Alemanha sobre a Arábia foi um jogo de um time só.
Argentina x Nigéria, ao contrário, colocou frente a frente duas grandes equipes, duas tradições, duas "escolas".
A Argentina, aliás, é hoje uma escola de futebol em mais de um sentido. Assim como as melhores escolas de samba do Rio conciliam a tradição de criatividade com certa eficiência moderna, os argentinos conjugam em campo décadas de refinamento técnico com uma organização tática ágil e surpreendente.
O que há de moderno no jogo argentino? Inúmeras coisas. A marcação por pressão em todas as partes do campo, intensificada ou afrouxada de acordo com o momento da partida. A versatilidade dos alas, que são ao mesmo tempo marcadores, pontas e armadores, podendo aparecer em diagonal para a finalização. Por fim, a rapidez das trocas de posições entre meias e atacantes.
Nada disso é propriamente novo, mas o funcionamento articulado dessas engrenagens é algo que a Argentina faz como não vi nenhuma outra equipe fazer, muito menos com tanta vibração.
Claro que isso só é possível com jogadores de alta qualidade técnica. Entre todos os excelentes atletas da atual safra, Verón se destaca não apenas por ser o mais completo, mas por encarnar como nenhum outro esse "novo" futebol argentino: poucos toques, rapidez de raciocínio, passes precisos, consciência tática.
Um futebol que se impõe ao rival mais pela antecipação dos lances, pelo aproveitamento inteligente dos espaços, do que pelo que nos acostumamos a chamar de "habilidade": o drible, o estilo, a jogada de efeito.
O futebol barroco, opulento e sinuoso de Maradona -surgido numa época em que a Argentina não dispunha de tantos valores- foi trocado pelo jogo retilíneo, enxuto e objetivo de Verón.
O último eco dos arabescos da era Maradona são alguns lances individuais de Ortega, logo reprimidos e enquadrados em favor do conjunto.
Os solistas geniais são cada vez menos necessários à orquestra argentina. Em contraste, o Brasil ainda se vale de talentos essencialmente individuais, como Ronaldo, Rivaldo, Denílson e Juninho. Nós estamos ainda na "era Maradona".
Só que sem Maradona.

E-mail:
jgcouto@uol.com.br


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