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TOM ZÉ
Vocês podem
perder, mas,
por favor,
não percam
Vocês podem perder a Copa.
Uma vez, em Irará (BA), pulamos secretamente o muro do
estádio para uma partida entre
Rua de Cima x Rua de Baixo.
Aquele enorme campo dos adultos parecia despovoado, apesar
de nós, jogadores que contavam
entre 10 e 12 anos.
As traves, a marcação do campo, tudo nos parecia um templo,
um sacramento. O coração batia
forte, a cabeça latejava, e eu tinha febre. Era o futebol. E a Rua
de Baixo ganhou por 2 a 1.
Mais tarde, no correr da vida,
todos o ritos de iniciação me levavam de volta àquela tarde, ao
estádio de Irará. As grandes emoções pareciam fortes como o futebol: a primeira namorada, a primeira masturbação, o primeiro
palco no qual cantei.
Aquele 2 a 1 é minha eternidade. Digo isso enchendo a boca de
heresia, porque o dia que não
acaba nunca chama-se história.
Vocês podem perder esta Copa,
mas, pelo amor de Deus, façam o
diabo pra ganhar! Lembrem-se
de Tiradentes, Barbosa e Bigode,
três imolados. Os dois últimos,
"enterrados vivos" depois da
derrota na final de 1950 contra os
uruguaios. Até seus parentes escondiam a consanguinidade.
É que, submetido ao futebol,
qualquer criminoso confessa. Até
quem ganha não é perdoado. Veja Zagallo -cruz-credo! Jogou e
ganhou as Copas de 58 e 62, foi
técnico tricampeão em 70, auxiliar do tetra em 94. Mas nunca foi
perdoado. Não gostamos dele.
Aliás, nós brasileiros somos
crianças vaidosas e mal-acostumadas. Devemos ganhar no mínimo uma em cada duas Copas,
temos de ser favoritos em todas e
não podemos ganhar nos pênaltis. É vaidade pra Eclesiastes nenhum botar defeito.
Não exijo nem creio que vocês
sejam obrigados a vencer nenhuma Copa. (Ah, meu Deus, como
eu quero, com todos os meus sonhos, que vocês vençam! Mas
aguentaria a tristeza da perda.)
O futebol tornou-se a única
ciência exata que sobreviveu a
Heisenberg. A matemática, a física, tudo o mais já admite uma
margem de erro. O futebol, não. E
logo um jogo no qual as leis das
probabilidades e o acaso influenciam tanto nos resultados.
Vocês podem. Mas, pelo amor
de Deus, não percam. Porque a
crítica nacional tornar-se-ia tão
violenta que eu ficaria privado de
minha distração preferida; sem
poder ouvir crônica esportiva pelo rádio por um mês. Ela se tornaria ácida, peçonhenta.
É verdade que, ganhando, vocês
logo serão esquecidos. Paulo José,
ator brilhante, comentou, numa
entrevista recente, nossa "cultura da derrota". Portanto, logo
voltaríamos a "comemorar" a
tragédia do Maracanã em 50, o
desastre de Sarriá em 82 etc.
Se nascessem mais dez Pelés, provocando, como o primeiro, tanta
exaltação, vaidade e orgulho, o
Brasil iria à falência. Chega de
soberba, de vaidade. Não é bom
para uma nação ter tantas glórias de um gênero só.
Deus me apareceu em sonhos:
suas asas iam do Pacaembu ao
Morumbi, e perguntou se eu preferia que nascessem no Brasil
mais dez Pelés ou mais dez Antonios Ermírios de Moraes. Chorei,
mas escolhi mais dez Antonios
Ermírios. Podem perder. Eu gosto
é de futebol. E em nome dele admirarei qualquer campeão. Até a
Argentina.
Tom Zé é músico e compositor
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