São Paulo, quarta, 3 de junho de 1998

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Seleção viaja 15 dias de navio para chegar a Marselha
1938 - 60 anos de futebol e história


A Copa que sublimou o fascismo e a guerra para celebrar Leônidas da Silva, a invenção do contra-ataque e o hábito de fazer gazeta


JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
enviado especial a Marselha

Há 60 anos, em 4 de junho de 1938, começava na França a terceira Copa do Mundo de Futebol. Era para ser na Argentina, fosse respeitado o acordo de alternância entre América do Sul e Europa para a organização do torneio.
Mas Jules Rimet, presidente da Fifa e também da Federação Francesa, não resistiu a patriotada, garantindo a ampliação do estádio de Colombes e a construção de outros mais em diversas cidades.
Rimet buscava a sedimentação da competição que idealizou, cada vez mais importante, mas ainda à sombra do torneio olímpico.
E, para tanto, preteriu a minoria sul-americana, mesmo correndo o risco de produzir outro cenário para a celebração fascista, como foram a Copa da Itália, em 1934, e a Olimpíada de Berlim, em 1936.
E, na partida de abertura, ele já deixava sua marca. A Alemanha, vitaminada pelos melhores austríacos graças a recente anexação da Áustria por Adolf Hitler, empatava em 1 a 1 com a Suíça.
Como a fórmula de disputa de então não permitia a igualdade, 30 minutos de prorrogação.
Mantido o placar, nada de pênaltis, e sim um desumano jogo-desempate 24 horas depois.
Em 5 de junho, o primeiro tempo termina 2 a 1. Telegrama para Hitler, enaltecendo a raça. Ao final do jogo, virada da Suíça, 4 a 2, para delírio dos 21 mil torcedores presentes ao Parc des Princes.
Dias depois, a raça ariana sentiria outro revés, o do negro Joe Louis nocauteando o alemão Max Schmeling no primeiro assalto da revanche, em Nova York (EUA).
No Brasil, Alemanha era Reich, graças a um recente pacto comercial estabelecido entre o Füher e o Estado Novo de Getúlio Vargas.
Getúlio, aliás, mesmo alheio ao futebol, discretamente viabilizou a até então mais bem preparada seleção brasileira da história, dizimando o bairrismo entre paulistas e cariocas, de acordo com seu espírito de criar uma unidade nacional em um país regionalizado.
Para completar, o time contava com Leônidas da Silva, aquele que viria a ser conhecido como "Diamante Negro", inventor da bicicleta, o primeiro jogador brasileiro a obter fama mundial.
Com tantas prerrogativas, o Mundial da França se tornou o assunto do momento, disputando espaço nos jornais com a sangrenta Guerra Civil Espanhola (que impediu a presença do país na Copa) e as sempre positivas ações do regime de exceção no qual o Brasil estava mergulhado.
Para completar, o rádio transmitia pela primeira vez as partidas. Uma operação caríssima, via telefone, que custava 100 contos por cada transmissão -toda a viagem da delegação brasileira, que incluía o narrador oficial, Gagliano Neto, e mais três jornalistas, consumiu 250 contos.
Tanta empolgação demandava tempo e o aflorado nacionalismo começou a justificar as faltas ao trabalho. Em 16 de junho, dia da semifinal contra a Itália, o jogo-chave do Brasil no Mundial, até mesmo o expediente dos ministérios no Distrito Federal, na Guanabara, foi encerrados às 13h.
Chefe por chefe, a Itália também tinha Mussolini, que tratava a conquista do bicampeonato como questão de Estado.
E que colocou até avião a disposição de seus jogadores para os deslocamentos na França. O resto se resignava com o trem.



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