São Paulo, Sábado, 03 de Julho de 1999
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Gol de Ronaldinho nos ilumina e redime

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Cesse tudo o que a antiga musa canta. Vamos falar do gol de Ronaldinho na estréia.
Não cabe descrevê-lo aqui. Todo mundo viu: o chapéu dentro da área, o toque sutil que tirou outro defensor, o arremate indefensável, a comemoração espontânea, sem mensagem e sem coreografia.
A dança, afinal, Ronaldinho já a tinha executado ali na área, tendo a bola como parceira e os beques rivais como figurantes. E a mensagem, bem, a mensagem era o próprio gol.
Foi um desses raros momentos em que o futebol deixa de ser apenas um esporte, um negócio, uma guerra, e passa a ser outra coisa. Arte, talvez. Poesia, com certeza.
Em todo caso, um instante de brilho que nos ilumina e nos redime. Pois, se o homem é capaz das maiores infâmias -e o jornal que está lendo traz exemplos a cada página-, é também capaz de criar o sublime.
Nos dois últimos dias, comentários entusiasmados a respeito do gol de Ronaldinho tomaram conta de todas as conversas, ofuscando guerras, crimes e falcatruas.
Haverá quem veja nisso a prova de que "o futebol aliena". Para mim, é o contrário. Num mundo em que quase tudo nos embrutece, o futebol, quando jogado com arte, pode nos humanizar.
Assim como nos sentimos seres humanos melhores ao ouvir uma sonata de Bach, ou ao contemplar uma escultura de Michelangelo, também um gol como o de Ronaldinho pode nos convencer por um momento de que o homem não é uma anomalia canhestra da natureza, uma experiência fracassada de Deus.
"Parábola do homem comum tocando o céu", cantou Chico Buarque, numa canção intitulada, justamente, "O Futebol". Quando Ronaldinho fez seu gol, todos nós (inclusive os venezuelanos) tocamos o céu junto com ele.
  Na última coluna que escrevi aqui, na segunda-feira, chamei a seleção brasileira de Quem Sobrou Futebol Clube. Que bobagem. Os que ficaram são muito melhores do que os que saíram (ou nem vieram).
Não digo isso pelo 7 a 0, mesmo porque a Venezuela, como se não bastasse sua flagrante inferioridade técnica, adotou uma linha suicida de impedimento, que deixava os alas brasileiros livres para matar. Nunca a expressão "linha burra" foi tão apropriada.
A questão é que, vendo a qualidade do futebol de Rivaldo, Amoroso, Ronaldo, Ronaldinho e Alex, fica difícil imaginar em que lugar poderiam entrar Leonardo, Edílson, Edmundo, Denílson, Giovanni etc.
Só um Romário em plena forma poderia pleitear uma vaga nesse time.
  Wanderley Luxemburgo mostrou que, com todos os defeitos extracampo que possa ter, é um técnico inteligente e versátil. Tinha planejado segurar mais na defesa os alas Cafu e Roberto Carlos. Quando viu o esquema de jogo dos venezuelanos, soltou as feras, e a seleção deitou e rolou.
Acertou também ao não escalar de cara o craque Ronaldinho para o jogo de hoje, contra o México. Aos poucos, ele vai ganhar o seu lugar. E, aí, ninguém mais tira.

E-mail jgcouto@uol.com.br


José Geraldo Couto escreve às segundas-feiras e aos sábados

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