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Gol de Ronaldinho nos ilumina e redime
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Cesse tudo o que a antiga musa canta. Vamos falar do gol de
Ronaldinho na estréia.
Não cabe descrevê-lo aqui.
Todo mundo viu: o chapéu
dentro da área, o toque sutil
que tirou outro defensor, o arremate indefensável, a comemoração espontânea, sem
mensagem e sem coreografia.
A dança, afinal, Ronaldinho
já a tinha executado ali na
área, tendo a bola como parceira e os beques rivais como figurantes. E a mensagem, bem, a
mensagem era o próprio gol.
Foi um desses raros momentos em que o futebol deixa de
ser apenas um esporte, um negócio, uma guerra, e passa a ser
outra coisa. Arte, talvez. Poesia, com certeza.
Em todo caso, um instante de
brilho que nos ilumina e nos redime. Pois, se o homem é capaz
das maiores infâmias -e o jornal que está lendo traz exemplos a cada página-, é também capaz de criar o sublime.
Nos dois últimos dias, comentários entusiasmados a respeito do gol de Ronaldinho tomaram conta de todas as conversas, ofuscando guerras, crimes
e falcatruas.
Haverá quem veja nisso a
prova de que "o futebol aliena". Para mim, é o contrário.
Num mundo em que quase tudo nos embrutece, o futebol,
quando jogado com arte, pode
nos humanizar.
Assim como nos sentimos seres humanos melhores ao ouvir
uma sonata de Bach, ou ao
contemplar uma escultura de
Michelangelo, também um gol
como o de Ronaldinho pode
nos convencer por um momento de que o homem não é uma
anomalia canhestra da natureza, uma experiência fracassada de Deus.
"Parábola do homem comum
tocando o céu", cantou Chico
Buarque, numa canção intitulada, justamente, "O Futebol".
Quando Ronaldinho fez seu
gol, todos nós (inclusive os venezuelanos) tocamos o céu junto com ele.
Na última coluna que escrevi
aqui, na segunda-feira, chamei
a seleção brasileira de Quem
Sobrou Futebol Clube. Que bobagem. Os que ficaram são
muito melhores do que os que
saíram (ou nem vieram).
Não digo isso pelo 7 a 0, mesmo porque a Venezuela, como
se não bastasse sua flagrante
inferioridade técnica, adotou
uma linha suicida de impedimento, que deixava os alas brasileiros livres para matar. Nunca a expressão "linha burra"
foi tão apropriada.
A questão é que, vendo a qualidade do futebol de Rivaldo,
Amoroso, Ronaldo, Ronaldinho e Alex, fica difícil imaginar
em que lugar poderiam entrar
Leonardo, Edílson, Edmundo,
Denílson, Giovanni etc.
Só um Romário em plena forma poderia pleitear uma vaga
nesse time.
Wanderley Luxemburgo mostrou que, com todos os defeitos
extracampo que possa ter, é um
técnico inteligente e versátil.
Tinha planejado segurar mais
na defesa os alas Cafu e Roberto Carlos. Quando viu o esquema de jogo dos venezuelanos,
soltou as feras, e a seleção deitou e rolou.
Acertou também ao não escalar de cara o craque Ronaldinho para o jogo de hoje, contra
o México. Aos poucos, ele vai
ganhar o seu lugar. E, aí, ninguém mais tira.
E-mail jgcouto@uol.com.br
José Geraldo Couto escreve às segundas-feiras
e aos sábados
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