São Paulo, segunda-feira, 03 de agosto de 2009

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ENTREVISTA DA 2ª

GÉRARD SAILLANT

Vi o mesmo cenário do acidente de Senna e pensei que Massa estivesse morto

Médico francês celebra recuperação do piloto, que chega hoje ao Brasil, mas pede cautela no retorno às pistas

TATIANA CUNHA
ENVIADA ESPECIAL A BUDAPESTE

PRESIDENTE DA Comissão Médica da FIA e responsável por operar Ronaldo e Michael Schumacher, Gérard Saillant, 64, foi um dos primeiros a examinar Felipe Massa, que hoje volta ao Brasil após o acidente que sofreu na Hungria, há nove dias. O médico falou à Folha em um hotel em Budapeste, onde ficou até a última quinta para acompanhar o tratamento do piloto brasileiro.

 

FOLHA - Qual o papel do senhor no Instituto FIA?
GÉRARD SAILLANT -
Como presidente do instituto, nossa missão é prevenir e tentar minimizar da melhor maneira possível acidentes em eventos automobilísticos. Sou responsável pela parte médica, que trabalha em conjunto com engenheiros e técnicos para desenvolver melhores barreiras de proteção, modificar os capacetes e muitas outras coisas que auxiliem na segurança dos pilotos.

FOLHA - A prioridade do Instituto neste ano é melhorar o trabalho do pessoal médico?
SAILLANT -
Sim. Esta é uma parte muito importante do nosso trabalho. É vital ser consistente e ter o mesmo nível de resgate em todos os lugares e em todas as categorias, tanto na F-1 como nas pequenas competições, nos ralis pequenos. É por isso que vamos criar uma faculdade médica, e nosso objetivo é orientar todas as pessoas envolvidas com a medicina do automobilismo. Temos um grande programa educacional e agora estamos tentando criar uma rede, com centros de excelência em cada um dos continentes. Neste mês começamos a distribuição de um livro, não tão grande como uma bíblia, ou o corão, mas é muito importante para todas as pessoas envolvidas no esporte. Ele é um manual. Porque você pode até ser um anestesista muito bom, mas não saber nada de automobilismo, não saber nada sobre como remover um piloto do carro. É importante saber não só de medicina, mas de medicina específica para o automobilismo.

FOLHA - Como avalia o trabalho feito pela equipe de resgate no acidente de Felipe Massa?
SAILLANT -
Não é para ser educado ou político, mas o trabalho foi muito bom desde o começo, na pista, com todos os médicos envolvidos, até o hospital. Um resgate nunca é perfeito, mas no hospital foi tudo ótimo. É por isso que o Massa está vivo.
O trabalho do pessoal da FIA, Gary Harstein e Jean Charles Piette, também foi importante.

FOLHA - O que se pode aprender com esse acidente?
SAILLANT -
Depois de qualquer acidente, como o que aconteceu com o [Ayrton] Senna, há mais de dez anos, ou este acidente, ou o de [Henry] Surtees, há pouco mais de duas semanas, é possível aprender. Nesses dois últimos, ficou evidente que é preciso achar um jeito de proteger mais o rosto e a cabeça dos pilotos. Evidentemente é impossível ter risco zero.

FOLHA - O senhor acredita que a F-1 está preparada para um acidente grave como esse?
SAILLANT -
Acho que a F-1 sim, apesar de saber que sempre é possível melhorar. Acredito que o importante é fazer circular esse nível de disciplina para as outras categorias. A que mais preocupa é o rali, onde as coisas são muito mais difíceis. As provas não são disputadas em uma pista propriamente dita, cada vez é em um lugar.

FOLHA - Quanto a segurança no automobilismo evoluiu desde a morte de Senna?
SAILLANT -
Sei que nos últimos tempos tem havido muitas discussões sobre Max Mosley [presidente da FIA], mas tenho que prestar minhas homenagens a ele e a todo o time da FIA. Se você olhar para trás, a melhora na segurança é fantástica. Depois do acidente do Senna, fui para o GP seguinte [Mônaco]. Você não faz ideia da diferença daquele período para agora. E isso é tudo graças ao trabalho do Max e de seu time, do instituto. Na pista, a assistência médica, a organização dos fiscais, a extração dos pilotos, é uma loucura o que evoluiu. Há algum tempo havia testes em algumas pistas e não havia médico nenhum.

FOLHA - O senhor estava em Imola [quando Senna sofreu o acidente]?
SAILLANT -
Não, não estava. Eu estava em casa, na frente da TV, e imediatamente após a batida deu para ver que era muito sério, infelizmente. Quando vi o acidente do Felipe, estava na torre de controle. No momento do acidente vi exatamente o mesmo cenário... Ele não estava se mexendo e, quando cortaram o Hans [dispositivo de segurança que prende o capacete], a cabeça dele caiu e falei: "Oh! Ele está morto, ele está morto, não é possível!" Foi exatamente a mesma coisa. Minha primeira impressão foi muito pessimista. Ele não se mexia, não se mexia, a cabeça caindo... Foi uma sensação muito ruim.

FOLHA - O senhor participou da operação de Massa?
SAILLANT -
Não, mas eu estava no centro médico logo depois do acidente e fui para o hospital para acompanhar os exames. Preferi deixar os médicos húngaros trabalharem porque esse não é meu trabalho.

FOLHA - O que achou da recuperação do ferrarista?
SAILLANT -
Impressionante. Mas é preciso ter cautela. Ainda é impossível prever o tempo de recuperação, mesmo que sejamos otimistas.

FOLHA - Por sua experiência, é possível dizer que ele voltará a correr?
SAILLANT -
Clinicamente é possível. Vimos o [Mika] Hakkinen, que sofreu um grave acidente em Melbourne, ficou em coma muitos dias e depois foi campeão do mundo. Mas temos de esperar. Eu acho que sim, eu espero que sim, mas não tenho certeza.

FOLHA - O senhor é especialista em tratar atletas de ponta. Qual a diferença entre tratar esportistas e pessoas comuns?
SAILLANT -
O sentimento é o mesmo, seja com um pessoa normal ou com um piloto. O ambiente é que é muito diferente. O tratamento também é distinto, mas não porque um é melhor que o outro. O trabalho dos atletas é diferente, e temos que adaptar o tratamento. Um atleta, por exemplo, é jovem, voluntarioso, quer voltar o mais rápido possível. Outra dificuldade é conseguir um resultado 100%. Porque para mim, para você, se o resultado for de 95%, 99%, tudo bem, teremos uma vida normal. Não é o mesmo para eles.

FOLHA - Então é um desafio trabalhar com atletas?
SAILLANT -
Sim, é desafiador. Porque, além disso, o tratamento dos atletas depois é usado para melhorar o que fazemos com as pessoas comuns.

FOLHA - O senhor operou Michael Schumacher quando ele se acidentou em Silverstone, em 1999, e quebrou as pernas. Como ele é?
SAILLANT -
Ele foi operado em Londres, depois foi para Paris, e é um bom amigo meu. Ele é bem diferente porque é um ótimo paciente, mas ele quer saber o porquê de tudo. Você fala para ele andar por 45 dias e ele pergunta, por que 45 e não 44? E, quando o paciente participa do tratamento, é muito bom.

FOLHA - Também operou o atacante Ronaldo. Ele é um bom paciente?
SAILLANT -
Ele é um paciente muito bom, disciplinado e impaciente, claro, porque ele queria se recuperar o mais rápido possível. Seria bom se todos os pacientes fossem como ele

FOLHA - O senhor ainda o acompanha, segue sua carreira?
SAILLANT -
Ele é muito inteligente, sabe como gerenciar sua carreira e quando tem que se esforçar mais no treinamentos. Acho possível ele jogar, e bem, a próxima Copa.

FOLHA - Soube que ele fraturou a mão na semana passada?
SAILLANT -
Sim, alguém me falou alguma coisa. Ainda bem que ele não é um goleiro... Se bem que ele é muito gordo para ser goleiro [risos].


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