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ENTREVISTA DA 2ª
GÉRARD SAILLANT
Vi o mesmo cenário do acidente de Senna e pensei que Massa estivesse morto
Médico francês celebra recuperação do piloto, que chega hoje ao Brasil, mas pede cautela no retorno às pistas
TATIANA CUNHA
ENVIADA ESPECIAL A BUDAPESTE
PRESIDENTE DA Comissão Médica da FIA e
responsável por operar Ronaldo e Michael
Schumacher, Gérard Saillant, 64, foi um
dos primeiros a examinar Felipe Massa,
que hoje volta ao Brasil após o acidente que sofreu na
Hungria, há nove dias. O médico falou à Folha em um
hotel em Budapeste, onde ficou até a última quinta
para acompanhar o tratamento do piloto brasileiro.
FOLHA - Qual o papel do senhor no
Instituto FIA?
GÉRARD SAILLANT - Como presidente do instituto, nossa missão é prevenir e tentar minimizar da melhor maneira possível
acidentes em eventos automobilísticos. Sou responsável pela
parte médica, que trabalha em
conjunto com engenheiros e
técnicos para desenvolver melhores barreiras de proteção,
modificar os capacetes e muitas outras coisas que auxiliem
na segurança dos pilotos.
FOLHA - A prioridade do Instituto
neste ano é melhorar o trabalho do
pessoal médico?
SAILLANT - Sim. Esta é uma parte muito importante do nosso
trabalho. É vital ser consistente
e ter o mesmo nível de resgate
em todos os lugares e em todas
as categorias, tanto na F-1 como nas pequenas competições,
nos ralis pequenos. É por isso
que vamos criar uma faculdade
médica, e nosso objetivo é
orientar todas as pessoas envolvidas com a medicina do automobilismo. Temos um grande programa educacional e agora estamos tentando criar uma
rede, com centros de excelência em cada um dos continentes. Neste mês começamos a
distribuição de um livro, não
tão grande como uma bíblia, ou
o corão, mas é muito importante para todas as pessoas envolvidas no esporte. Ele é um manual. Porque você pode até ser
um anestesista muito bom, mas
não saber nada de automobilismo, não saber nada sobre como
remover um piloto do carro. É
importante saber não só de medicina, mas de medicina específica para o automobilismo.
FOLHA - Como avalia o trabalho
feito pela equipe de resgate no acidente de Felipe Massa?
SAILLANT - Não é para ser educado ou político, mas o trabalho
foi muito bom desde o começo,
na pista, com todos os médicos
envolvidos, até o hospital. Um
resgate nunca é perfeito, mas
no hospital foi tudo ótimo. É
por isso que o Massa está vivo.
O trabalho do pessoal da FIA,
Gary Harstein e Jean Charles
Piette, também foi importante.
FOLHA - O que se pode aprender
com esse acidente?
SAILLANT - Depois de qualquer
acidente, como o que aconteceu com o [Ayrton] Senna, há
mais de dez anos, ou este acidente, ou o de [Henry] Surtees,
há pouco mais de duas semanas, é possível aprender. Nesses dois últimos, ficou evidente
que é preciso achar um jeito de
proteger mais o rosto e a cabeça
dos pilotos. Evidentemente é
impossível ter risco zero.
FOLHA - O senhor acredita que a F-1 está preparada para um acidente
grave como esse?
SAILLANT - Acho que a F-1 sim,
apesar de saber que sempre é
possível melhorar. Acredito
que o importante é fazer circular esse nível de disciplina para
as outras categorias. A que mais
preocupa é o rali, onde as coisas
são muito mais difíceis. As provas não são disputadas em uma
pista propriamente dita, cada
vez é em um lugar.
FOLHA - Quanto a segurança no
automobilismo evoluiu desde a
morte de Senna?
SAILLANT - Sei que nos últimos
tempos tem havido muitas discussões sobre Max Mosley
[presidente da FIA], mas tenho
que prestar minhas homenagens a ele e a todo o time da
FIA. Se você olhar para trás, a
melhora na segurança é fantástica. Depois do acidente do
Senna, fui para o GP seguinte
[Mônaco]. Você não faz ideia da
diferença daquele período para
agora. E isso é tudo graças ao
trabalho do Max e de seu time,
do instituto. Na pista, a assistência médica, a organização
dos fiscais, a extração dos pilotos, é uma loucura o que evoluiu. Há algum tempo havia testes em algumas pistas e não havia médico nenhum.
FOLHA - O senhor estava em Imola
[quando Senna sofreu o acidente]?
SAILLANT - Não, não estava. Eu
estava em casa, na frente da TV,
e imediatamente após a batida
deu para ver que era muito sério, infelizmente. Quando vi o
acidente do Felipe, estava na
torre de controle. No momento
do acidente vi exatamente o
mesmo cenário... Ele não estava se mexendo e, quando cortaram o Hans [dispositivo de segurança que prende o capacete], a cabeça dele caiu e falei:
"Oh! Ele está morto, ele está
morto, não é possível!" Foi exatamente a mesma coisa. Minha
primeira impressão foi muito
pessimista. Ele não se mexia,
não se mexia, a cabeça caindo...
Foi uma sensação muito ruim.
FOLHA - O senhor participou da
operação de Massa?
SAILLANT - Não, mas eu estava
no centro médico logo depois
do acidente e fui para o hospital
para acompanhar os exames.
Preferi deixar os médicos húngaros trabalharem porque esse
não é meu trabalho.
FOLHA - O que achou da recuperação do ferrarista?
SAILLANT - Impressionante.
Mas é preciso ter cautela. Ainda
é impossível prever o tempo de
recuperação, mesmo que sejamos otimistas.
FOLHA - Por sua experiência, é possível dizer que ele voltará a correr?
SAILLANT - Clinicamente é possível. Vimos o [Mika] Hakkinen, que sofreu um grave acidente em Melbourne, ficou em
coma muitos dias e depois foi
campeão do mundo. Mas temos de esperar. Eu acho que
sim, eu espero que sim, mas
não tenho certeza.
FOLHA - O senhor é especialista em
tratar atletas de ponta. Qual a diferença entre tratar esportistas e pessoas comuns?
SAILLANT - O sentimento é o
mesmo, seja com um pessoa
normal ou com um piloto. O
ambiente é que é muito diferente. O tratamento também é
distinto, mas não porque um é
melhor que o outro. O trabalho
dos atletas é diferente, e temos
que adaptar o tratamento. Um
atleta, por exemplo, é jovem,
voluntarioso, quer voltar o
mais rápido possível. Outra dificuldade é conseguir um resultado 100%. Porque para mim,
para você, se o resultado for de
95%, 99%, tudo bem, teremos
uma vida normal. Não é o mesmo para eles.
FOLHA - Então é um desafio trabalhar com atletas?
SAILLANT - Sim, é desafiador.
Porque, além disso, o tratamento dos atletas depois é usado para melhorar o que fazemos com as pessoas comuns.
FOLHA - O senhor operou Michael
Schumacher quando ele se acidentou em Silverstone, em 1999, e quebrou as pernas. Como ele é?
SAILLANT - Ele foi operado em
Londres, depois foi para Paris, e
é um bom amigo meu. Ele é
bem diferente porque é um ótimo paciente, mas ele quer saber o porquê de tudo. Você fala
para ele andar por 45 dias e ele
pergunta, por que 45 e não 44?
E, quando o paciente participa
do tratamento, é muito bom.
FOLHA - Também operou o atacante Ronaldo. Ele é um bom paciente?
SAILLANT - Ele é um paciente
muito bom, disciplinado e impaciente, claro, porque ele queria se recuperar o mais rápido
possível. Seria bom se todos os
pacientes fossem como ele
FOLHA - O senhor ainda o acompanha, segue sua carreira?
SAILLANT - Ele é muito inteligente, sabe como gerenciar sua
carreira e quando tem que se
esforçar mais no treinamentos.
Acho possível ele jogar, e bem, a
próxima Copa.
FOLHA - Soube que ele fraturou a
mão na semana passada?
SAILLANT - Sim, alguém me falou alguma coisa. Ainda bem
que ele não é um goleiro... Se
bem que ele é muito gordo para
ser goleiro [risos].
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