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FUTEBOL
A coerência e os técnicos
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Uma das mais difíceis virtudes do ser humano é a coerência. Alguns tentam mantê-la
em todos os momentos da vida.
Quase impossível. São muitas as
tentações e encruzilhadas.
Sem perceber, caímos em contradição. "A vida dá muitas voltas. A vida nem é da gente." (João
Guimarães Rosa).
Além disso, as idéias e opiniões
podem mudar com o tempo.
Quando isso acontece, somos cobrados lá na frente.
Outros fazem questão de chutar
a coerência para escanteio. São os
aproveitadores e carreiristas.
Gostam e apóiam somente o que
interessa a eles.
Há algumas semanas, escrevi
que, se aceitasse o cargo de coordenador técnico da seleção brasileira, Felipão seria meu técnico
preferido. Brinquei ao dizer que,
se não quisesse, iria embebedá-lo.
Afirmei que tentaria convencê-lo
a escutar meus palpites. Coordenador é o palpiteiro oficial.
No último domingo, fiz uma
crítica ao absurdo número de faltas no futebol brasileiro e aos técnicos, que só pensam em ganhar.
Não importam os meios. Até cuspindo no adversário.
Os treinadores dão péssimo
exemplo de cidadania. Se no futebol tudo vale para vencer, a mesma conduta é utilizada por parte
da sociedade.
Fernando Calazans e José Trajano, duas referências da crônica
esportiva, prolongaram o assunto
brilhantemente em suas colunas.
Alguns leitores cobraram-me
coerência. Se critico as condutas
utilitaristas dos treinadores, como poderia o Felipão ser meu técnico preferido? Para esses leitores,
o técnico do Cruzeiro simboliza o
estilo truculento, autoritário e aético de ganhar de qualquer jeito.
Quase todos os técnicos fazem o
mesmo. No mínimo, quando estão mais calmos, mandam parar
as jogadas no meio-campo. Felipão é o único deles que assume essa postura. É mais autêntico e
transparente. O torcedor gosta
dessa franqueza.
Se a maioria dos técnicos faz o
mesmo, prefiro o melhor. Isso não
significa que concordo com os
métodos que utiliza. Ao contrário, detesto. Tentaria mudá-lo.
No último domingo, voltei a criticar o treinador. Ele retrucou as
vaias da torcida do Cruzeiro com
gestos e palavras agressivas. Essa
e outras condutas não ajudam
em nada o trabalho dele. Somente atrapalham.
Felipão é um bom técnico na armação e treinamentos de suas
equipes. É ruim na relação com a
imprensa e com a ética. Pior ainda quando elogia o ex-ditador
chileno Pinochet.
Técnico de futebol é importante,
mas dezenas de outros fatores influenciam o resultado final. Não
são os treinadores que ganham as
partidas.
A principal, ou única, função de
um técnico é ajudar os jogadores
realizarem, em campo, tudo o que
sabem. "Técnico bom é o que não
atrapalha." (Romário).
Não concordo, mas compreendo a posição dos técnicos. Trabalham sofrendo grande pressão. O
time tem de vencer. Se uma equipe obstrui todas as jogadas com
faltas, a outra faz o mesmo, senão
perde o jogo.
Se fosse treinador, teria de aceitar essa regra maquiavélica e
grosseira. Ou abandonaria a profissão.
Não são os técnicos que vão mudar essa situação. São os cronistas
esportivos e, principalmente, os
torcedores. Até que a Fifa tome
providências.
Se ocorressem tantas faltas na
Europa, a Fifa já teria estabelecido um limite individual e coletivo. Acima dele, os times e jogadores seriam punidos.
Os torcedores do Cruzeiro reconhecem a competência de seu
treinador, mas vaiaram a equipe
em Ipatinga e no Mineirão (jogo
com o Malutrom), por jogar com
desinteresse e apenas pelo resultado. O fato mostra que os torcedores não querem só vitórias. Querem também espetáculo, diversão
e arte.
Assim como os torcedores, não
deixarei de reconhecer as qualidades técnicas de um treinador
ou jogador só porque não gosto de
suas atitudes fora de campo. Seria
injusto e incoerente. Tenho de
analisar o fato.
As pessoas que se destacam, em
todas as profissões, são especiais
por suas obras. São comuns.
Noto que no esporte, no futebol
e na sociedade brasileira em geral, a pessoa é previamente rotulada como boa ou má, competente ou incompetente, craque ou
perna-de-pau, intelectual ou ignorante, ética ou aética, brega ou
charmosa, moral ou imoral, progressista ou conservadora, prepotente ou humilde, etc...
Não há meio-termo. Depois de
carimbada, a conduta dessa pessoa é irrelevante. O diagnóstico já
está pronto. Isso é muito perigoso.
Rivaldo, de melhor jogador do
mundo, tornou-se o pior. Só enxergam seus defeitos. Transformou-se no Judas da seleção.
Todos temos virtudes e defeitos.
Somos humanos. Ambivalentes e
pecadores.
Uns mais, outros menos.
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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