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São Paulo, quarta-feira, 03 de dezembro de 2003

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FUTEBOL

Quem inventa é o craque

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Segundo o Aurélio, pragmatismo significa que a verdade de uma proposição consiste no fato de que ela seja útil, tenha alguma espécie de êxito ou satisfação. No esporte, todos os times e atletas, em todas as épocas, são mais ou menos pragmáticos, porque, independentemente do estilo e da qualidade, competem para vencer. Alguns também dão espetáculo. Esses são os melhores.
A beleza do futebol não está apenas nos dribles e nas belíssimas jogadas individuais. É bonito também ver um conjunto afinado, se movimentando como a coreografia de um balé ou de uma escola de samba. Os jogadores (passistas) aceleram e desaceleram, sem perder a harmonia, de acordo com o momento do jogo.
A pouca variação de ritmo é uma deficiência dos times dirigidos pelo Parreira. O coração de suas equipes bate sempre com a mesma frequência, com pouca emoção.
Para se formar um excelente time, além de ótimos jogadores, é preciso definir uma maneira de jogar (a estratégia vai muito além do desenho tático), criar algumas variações, treinar os mínimos detalhes e escalar os atletas nas funções e posições corretas. Nada disso funciona sem muita transpiração. "O que ganha e perde jogos é a alma." (Nelson Rodrigues)
Luxemburgo planejou todos os detalhes na formação da equipe do Cruzeiro. Ele evoluiu como treinador. No time mineiro, não inventou nem criou supostas novidades para ser valorizado. A sobriedade mineira lhe fez bem. Técnico não inventa. Quem inventa é o craque, no campo.
Com raras exceções, não é o craque que faz um time atuar bem. É uma equipe organizada que faz o craque se destacar mais do que os outros. Quanto mais craques melhor, desde que atuem em posições e funções diferentes. Quando há mais de um craque na mesma posição, um tem de se adaptar a outra função. Poucos conseguem. Pelas suas características, Alex não brilharia numa posição diferente da habitual.
Luxemburgo colocou o Alex livre, nas costas dos volantes e próximo dos dois atacantes, sem a obrigação de recuar e marcar. No Flamengo, ele jogava na mesma posição do Petkovic. Os dois têm características bastante parecidas. Um ocupava o espaço do outro. Não poderia dar certo. O time era também muito bagunçado.
Citam muito a seleção de 70 como exemplo de que todos os craque têm sempre de jogar, independentemente da posição. Rivellino e Gérson, que jogavam nos seus clubes na mesma posição, tiveram funções diferentes. Um completava o outro. Rivellino era mais habilidoso, driblador e finalizador. Gérson era mais organizador e cerebral.
Na mesma Copa, atuei numa posição diferente, de centroavante. Só deu certo porque a seleção precisava, ao lado de dois jogadores velozes, agressivos e artilheiros (Pelé e Jairzinho), de um jogador técnico, de toques curtos e de bom passe. Não fui o meia-armador que era no Cruzeiro nem um típico centroavante. Fui um centroavante armador.
No Cruzeiro, Zinho é o substituto do Wendell, na função de terceiro volante pela esquerda, defendendo e atacando. Se Zinho jogasse com o Alex da mesma forma que atuou contra o Paysandu, um atrapalharia o outro.
Nessa partida, diferentemente dos outros jogos em que entrou no lugar do Alex, Zinho foi tão bom quanto o craque do time. Num jogo especial, o craque teria de ser um atleta especial, símbolo de profissionalismo, eficiência e solidariedade em campo.
Alex brilhou durante todo o torneio. A regularidade não era a sua característica. Isso acontecia não porque era sonolento. Como Alex atuava numa faixa estreita, da linha de meio-campo à área e tinha pouca mobilidade, era com frequência anulado. Agora, ele está mais magro, rápido e se movimentando por todos os lados.
Mas não foi a perda de peso a principal causa de suas ótimas atuações, e sim o desejo e a obsessão de recuperar o prestígio.
Outro motivo de sua ascensão foi o fato de ser o craque do time. Alex assumiu essa responsabilidade. Em todos os jogos, entrou para decidir. Na seleção, ao lado de tantos craques, ele precisaria de mais tempo para ter a mesma autoconfiança. Isso dificilmente vai acontecer.
Pelo mesmo motivo, Dirceu Lopes, Ademir da Guia, Zé Carlos (Cruzeiro) e outros cracaços de seus clubes não tiveram tempo nem espaço para brilharem na seleção. Nem por isso deixaram de ser excepcionais e inesquecíveis.

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