São Paulo, sexta-feira, 04 de janeiro de 2002

Texto Anterior | Índice

FUTEBOL

O nascimento de Zé Cabala 1

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

O dia em que Zeca Bala virou Zé Cabala;
ou o dia em que um mago caiu do céu.

Sou um anão. Um anão trapezista. Meu nome é Gulliver. Trabalhei a vida toda num único lugar: um circo, o Grande Circo Grushenko. Apesar do nome, ele não era russo nem grande. Era um circo tão pobre que sua mulher barbada só tinha buço.
Em maio de 1990, fazíamos apresentações de fim de semana em Paracambi. Raramente o público passava de uma dúzia de pessoas. Meu melhor amigo era o homem-bala: alto, magro e que devorava livros de auto-ajuda. Chamava-se Zeca Bala e, devido às aterrissagens infelizes, sempre tinha a cabeça cheia de ataduras.
Certo dia eu estava fazendo um curativo em meu cotovelo (os anões têm certa dificuldade para alcançar a barra do trapézio), quando levei um susto: limusines chegavam uma atrás da outra e paravam na entrada do circo. Assim que a poeira assentou, saiu de dentro de uma delas um sujeito de terno e óculos escuros que me olhou de baixo a baixo e disse:
-Queremos alugar essa espelunca para uma reunião da CBF.
Fui correndo falar com o dono do circo, e ele, mais do que depressa, acertou-se com o chefe dos engravatados. Com o dinheiro do aluguel, os salários foram postos em dia, e ficamos muito felizes. Os palhaços chegaram a chorar.
Como fui o garçom da reunião, pude ouvir tudo o que conversavam. Os tais dirigentes diziam que a Copa da Itália deveria ser a redenção do nosso futebol, que em 1982 e em 1986 havíamos jogado bem, mas fracassado. O homem encarregado de promover o retorno aos caminhos da vitória era Sebastião Lazaroni, um treinador de palavreado pernóstico e que gostava de invenções táticas.
Na hora em que eu recolhia os copos, os dirigentes falavam que seria fundamental que a seleção tivesse um conselheiro, alguém que fosse uma mistura de psicólogo, neurolingüista e feiticeiro. Um queria que fosse sua mulher, outro queria que fosse sua amante, um queria que fosse seu filho, outro queria que fosse seu namorado, e assim por diante. Furioso, Lazaroni deu um soco na mesa:
-Agora eu não quero um conselheiro nem que ele caia do céu!
Por uma grande coincidência, naquele exato momento um homem caiu do céu, furando a lona do circo e aterrissando de cabeça bem no meio dos engravatados. Esse homem era Zeca Bala.
Mas isso não foi obra de magia. Há uma explicação perfeitamente plausível: é que, longe dali, Zeca treinava seu número com o disparador de canhão, e este, aproveitando o inesperado pagamento, bebera um pouco além da conta. Assim, o que aconteceu foi que o disparador exagerou na pólvora, e meu amigo voou mais longe do que deveria.
Ao ver aquele homem caído no centro do picadeiro, os dirigentes cercaram-no e trocaram olhares de perplexidade. Por fim, um se adiantou e ousou perguntar:
-Quem é o senhor?
Ainda meio tonto, Zeca tirou o capacete e leu o seu nome. Porém, como este se havia rachado, em vez de Zeca Bala ali parecia estar escrito Zé Cabala:
-Talvez eu me chame Zé Cabala.
De propósito ou não, meu amigo havia rebatizado a si mesmo. Ali começaram os dias mais felizes de nossas vidas. Mas isso eu conto na próxima coluna.

Errata
A seleção "Mentes férteis", publicada na última terça-feira, na verdade foi mandada pelo leitor Cassius Jefferson.

A
O músico e tenista (de mesa) Fernando Salem elaborou uma seleção com cada uma das letras do alfabeto. A "seleção A": Andrada; Anderson, Antonio Carlos, Alfredo Mostarda e Albéris; Alemão, Adílio, Arturzinho e Afonsinho; Alessandro e Aluísio. Técnico: Aimoré Moreira.

B
Barbosa; Betão, Brito, Baldocchi e Bordon; Badeco, Boiadeiro e Bentinho; Bebeto, Bismarck e Bobô. T: Basílio.

C
Carlos Germano; Cafu, Cléber, Cris e Cláudio Mineiro; Chicão, Clodoaldo e Capitão; Caio, Cláudio Adão e Canhoteiro. T: Cláudio Duarte.

E-mail: torero@uol.com.br


Texto Anterior: Atletismo: Prova brasileira entra para calendário sul-americano
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.