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FUTEBOL
O nascimento de Zé Cabala 1
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
O dia em que Zeca Bala virou Zé Cabala; ou o dia em que um
mago caiu do céu.
Sou um anão. Um anão trapezista. Meu nome é Gulliver. Trabalhei a vida toda num único lugar: um circo, o Grande Circo
Grushenko. Apesar do nome, ele
não era russo nem grande. Era
um circo tão pobre que sua mulher barbada só tinha buço.
Em maio de 1990, fazíamos
apresentações de fim de semana
em Paracambi. Raramente o público passava de uma dúzia de
pessoas. Meu melhor amigo era o
homem-bala: alto, magro e que
devorava livros de auto-ajuda.
Chamava-se Zeca Bala e, devido
às aterrissagens infelizes, sempre
tinha a cabeça cheia de ataduras.
Certo dia eu estava fazendo um
curativo em meu cotovelo (os
anões têm certa dificuldade para
alcançar a barra do trapézio),
quando levei um susto: limusines
chegavam uma atrás da outra e
paravam na entrada do circo. Assim que a poeira assentou, saiu de
dentro de uma delas um sujeito
de terno e óculos escuros que me
olhou de baixo a baixo e disse:
-Queremos alugar essa espelunca para uma reunião da CBF.
Fui correndo falar com o dono
do circo, e ele, mais do que depressa, acertou-se com o chefe dos engravatados. Com o dinheiro do
aluguel, os salários foram postos
em dia, e ficamos muito felizes. Os
palhaços chegaram a chorar.
Como fui o garçom da reunião,
pude ouvir tudo o que conversavam. Os tais dirigentes diziam
que a Copa da Itália deveria ser a
redenção do nosso futebol, que
em 1982 e em 1986 havíamos jogado bem, mas fracassado. O homem encarregado de promover o
retorno aos caminhos da vitória
era Sebastião Lazaroni, um treinador de palavreado pernóstico e
que gostava de invenções táticas.
Na hora em que eu recolhia os
copos, os dirigentes falavam que
seria fundamental que a seleção
tivesse um conselheiro, alguém
que fosse uma mistura de psicólogo, neurolingüista e feiticeiro. Um
queria que fosse sua mulher, outro queria que fosse sua amante,
um queria que fosse seu filho, outro queria que fosse seu namorado, e assim por diante. Furioso,
Lazaroni deu um soco na mesa:
-Agora eu não quero um conselheiro nem que ele caia do céu!
Por uma grande coincidência,
naquele exato momento um homem caiu do céu, furando a lona
do circo e aterrissando de cabeça
bem no meio dos engravatados.
Esse homem era Zeca Bala.
Mas isso não foi obra de magia.
Há uma explicação perfeitamente plausível: é que, longe dali, Zeca treinava seu número com o
disparador de canhão, e este,
aproveitando o inesperado pagamento, bebera um pouco além da
conta. Assim, o que aconteceu foi
que o disparador exagerou na
pólvora, e meu amigo voou mais
longe do que deveria.
Ao ver aquele homem caído no
centro do picadeiro, os dirigentes
cercaram-no e trocaram olhares
de perplexidade. Por fim, um se
adiantou e ousou perguntar:
-Quem é o senhor?
Ainda meio tonto, Zeca tirou o
capacete e leu o seu nome. Porém,
como este se havia rachado, em
vez de Zeca Bala ali parecia estar
escrito Zé Cabala:
-Talvez eu me chame Zé Cabala.
De propósito ou não, meu amigo havia rebatizado a si mesmo.
Ali começaram os dias mais felizes de nossas vidas. Mas isso eu
conto na próxima coluna.
Errata
A seleção "Mentes férteis",
publicada na última terça-feira, na verdade foi mandada
pelo leitor Cassius Jefferson.
A
O músico e tenista (de mesa)
Fernando Salem elaborou
uma seleção com cada uma
das letras do alfabeto. A "seleção A": Andrada; Anderson,
Antonio Carlos, Alfredo
Mostarda e Albéris; Alemão,
Adílio, Arturzinho e Afonsinho; Alessandro e Aluísio.
Técnico: Aimoré Moreira.
B
Barbosa; Betão, Brito, Baldocchi e Bordon; Badeco,
Boiadeiro e Bentinho; Bebeto, Bismarck e Bobô.
T: Basílio.
C
Carlos Germano; Cafu, Cléber, Cris e Cláudio Mineiro;
Chicão, Clodoaldo e Capitão;
Caio, Cláudio Adão e Canhoteiro. T: Cláudio Duarte.
E-mail: torero@uol.com.br
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