São Paulo, domingo, 04 de junho de 2000


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FOLHA OLIMPÍADA 2000
"Efeito tango" dita ritmo para o remo

RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO


Muitos achavam que a troca de governo na Argentina mexeria no câmbio do país, com reflexo direto na economia brasileira. Passados sete meses, um peso segue valendo um dólar, mas quem sofreu um verdadeiro ""efeito tango" foi, por incrível que pareça, o remo brasileiro.
Explica-se: para manter a moeda, o governo vizinho está promovendo cortes em seu orçamento (o último foi anunciado na semana passada), diminuindo drasticamente o dinheiro destinado ao esporte -o efeito é duplicado por este ser um ano olímpico.
Com isso, a comissão técnica e os remadores platinos que conquistaram sete medalhas de ouro no Pan-Americano de Winnipeg, em 1999, trocaram o estuário do rio da Prata pela lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. E defendem atualmente clubes cariocas.
Principal responsável pelo sucesso continental, o técnico Ricardo Ibarra foi o primeiro a sair, em janeiro -um mês após a posse do presidente Fernando de la Rúa.
""Mudei para o Brasil por questão política, não para ganhar mais dinheiro. Após o Pan, me prometeram infra-estrutura e equipamentos novos para tentarmos a medalha de ouro em Sydney, mas o novo secretário de Esportes não cumpriu nada. Só me restava ir embora", afirma Ibarra.
A situação fez o jornal ""La Nación" dar a manchete: ""Remo argentino está à deriva". O diário esportivo ""Olé" reagiu com o título: ""Brasil está comprando nosso remo no atacado".
Mas, na visão brasileira, a vinda de Ibarra para o Flamengo dará rumo ao remo nacional, em franca decadência nesta década.
Uma prova do declínio é a presença de um só barco brasileiro em Sydney-2000, o skiff do remador Anderson Nocetti, do clube gaúcho União. Por seu lado, a Argentina leva cinco embarcações.
O cenário era bem diferente entre 1976 e 1986, quando o Brasil venceu cinco Campeonatos Sul-Americanos seguidos e quase levou uma medalha de bronze na Olimpíada de Los Angeles-1984.
Tirando esse período, o país ficou sempre atrás dos platinos, que atingiram o auge em Helsinque-1952, quando conquistaram uma medalha de ouro.
Aliás, essa foi a última vez que um atleta argentino subiu ao posto mais alto do pódio olímpico -um jejum que já se prolonga por 48 anos.
Não foi por mero acaso que o derradeiro ouro argentino veio durante o governo de Juan Domingo Perón (1946-55).
O fundador do peronismo utilizou o esporte como peça publicitária, e a Argentina teve seu melhor desempenho olímpico. Somando Londres-1948 e Helsinque-1952, foram quatro ouros, cinco pratas e nove bronzes.
O governo Carlos Menem (1989-99), também de inspiração peronista, repetiu a receita de esporte e marketing político.
Mas o estilo bon vivant e esportista de Menem acabou virando alvo de críticas, e, nas urnas, seu partido foi derrotado pelo sisudo oposicionista Fernando de la Rúa, da União Cívica Radical.
""Historicamente, o esporte não é prioridade para os radicais. Não será diferente desta vez. O novo governo apagou todo o caminho percorrido", diz Ibarra.
Ele tem contrato no Brasil até 2003 -coincidentemente, esse é o ano da próxima eleição presidencial na Argentina.
Com Ibarra, vieram para o Flamengo o auxiliar Osvaldo Borchi e o preparador físico Gonzalo Vilariño. Oferecendo US$ 4.000 mensais, o Vasco contratou seis remadores com vaga olímpica.
Um deles é Damián Ordás. Quando treinava em Buenos Aires, o remador tinha de largar o barco todas as tardes para assumir o volante de um táxi, que lhe garantia o sustento.
Agora, pode se dedicar só ao esporte e morar no Rio (sonho de muitos conterrâneos).
Menos sortudo, o remador Walter Balunek, ganhador de dois ouros em Winnipeg, ficou na Argentina. Quando ia ao banco para retirar a ajuda de custo que recebe para treinar, foi baleado e terá de ver Sydney-2000 pela TV.

Clubes ricos, governo pobre
Com investimentos estrangeiros que beiram os US$ 100 milhões para cada clube, o Vasco (Bank of America) e o Flamengo (ISL) destinam por volta de US$ 500 mil para seus departamentos de remo -a mesma quantia que a Secretaria de Esportes argentina dá anualmente à modalidade.
Além disso, os flamenguistas vão contar com uma flotilha da marca alemã Empacher, considerada a melhor do mundo -uma das exigências de Ibarra que o governo argentino recusou.
Mas a vantagem do Flamengo é maior ainda, afinal há dez dias assinou um contrato com a Fisa (Federação Internacional de Remo).
O clube se tornará um centro de treinamento mundial de verão, recebendo principalmente equipes e técnicos da Europa fugindo de lagos congelados, águas gélidas e ameaças constantes de doença. O CT carioca seguirá os moldes já implantados em Sevilha (Espanha), mantido pela Fisa.
O acerto foi celebrado com um passeio pelas águas da lagoa Rodrigo de Freitas, com Ibarra remando junto com Denis Oswald, presidente da Fisa.
A primeira delegação, porém, a utilizar esse acordo será Cuba, que treinará no Rio em agosto.
Esse contrato só se tornou realidade porque Ibarra está no clube, já que ele é a maior autoridade da modalidade na região -detém o cargo de supervisor técnico da Fisa para a América Latina.
Mas a presença de Ibarra no Rio também está gerando críticas por parte dos técnicos brasileiros.
""Há um ou dois treinadores que se sentiram incomodados e falam que eu não tenho nada a ensinar aqui. Só quero que me deixem trabalhar, e os resultados vão aparecer logo", fala Ibarra, enquanto na tela de seu computador pode ser lida a frase ""Hasta la Victoria" (Até a Vitória).
Não é a primeira estadia de Ibarra pelo Rio: entre 1977 e 1986 foi remador do Flamengo. Ganhou tantas regatas à época que seu nome foi parar na calçada da fama que fica na entrada do clube.
Após encerrar sua carreira como competidor, Ibarra passou quatro anos aprendendo a função de técnico na Itália.
Bem que ele tenta esconder o segredo de seu trabalho, mas depois acaba confessando: um bom remador não se faz na água, e sim em terra firme, mais especificamente na sala de musculação.
Ele aumentou o peso e a quantidade de repetições. Os remadores nacionais levantavam 56 quilos em série de 30 movimentos.
Isso se traduzia na água da seguinte maneira: os brasileiros largavam na frente, mas logo perdiam o fôlego e eram ultrapassados pelos concorrentes.
Agora, os remadores levantam halteres de 120 quilos e as repetições chegam a 240 vezes -esse é o número de remadas necessárias para atravessar os dois quilômetros oficiais das regatas. Dessa forma, os competidores se condicionam em terra, fazendo esforço similar ao que será feito na água.
""Os brasileiros conseguiram atingir esse nível em quatro meses, enquanto os argentinos demoraram quatro anos. Aqui há muito mais potencial", diz o preparador físico Gonzalo Vilariño.
O planejado é que os efeitos da colaboração argentina sejam sentidos no Pan-Americano de 2003 e na Olimpíada de Atenas, em 2004. Superar a Argentina seria uma vingança pessoal de Ibarra e coletiva do remo brasileiro.


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