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FOLHA OLIMPÍADA 2000
"Efeito tango" dita ritmo para o remo
RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Muitos achavam
que a troca de governo na Argentina
mexeria no câmbio
do país, com reflexo
direto na economia
brasileira. Passados sete meses,
um peso segue valendo um dólar,
mas quem sofreu um verdadeiro
""efeito tango" foi, por incrível que
pareça, o remo brasileiro.
Explica-se: para manter a moeda, o governo vizinho está promovendo cortes em seu orçamento (o último foi anunciado na semana passada), diminuindo drasticamente o dinheiro destinado
ao esporte -o efeito é duplicado
por este ser um ano olímpico.
Com isso, a comissão técnica e
os remadores platinos que conquistaram sete medalhas de ouro
no Pan-Americano de Winnipeg,
em 1999, trocaram o estuário do
rio da Prata pela lagoa Rodrigo de
Freitas, no Rio. E defendem atualmente clubes cariocas.
Principal responsável pelo sucesso continental, o técnico Ricardo Ibarra foi o primeiro a sair, em
janeiro -um mês após a posse do
presidente Fernando de la Rúa.
""Mudei para o Brasil por questão política, não para ganhar mais
dinheiro. Após o Pan, me prometeram infra-estrutura e equipamentos novos para tentarmos a
medalha de ouro em Sydney, mas
o novo secretário de Esportes não
cumpriu nada. Só me restava ir
embora", afirma Ibarra.
A situação fez o jornal ""La Nación" dar a manchete: ""Remo argentino está à deriva". O diário esportivo ""Olé" reagiu com o título:
""Brasil está comprando nosso remo no atacado".
Mas, na visão brasileira, a vinda
de Ibarra para o Flamengo dará
rumo ao remo nacional, em franca decadência nesta década.
Uma prova do declínio é a presença de um só barco brasileiro
em Sydney-2000, o skiff do remador Anderson Nocetti, do clube
gaúcho União. Por seu lado, a Argentina leva cinco embarcações.
O cenário era bem diferente entre 1976 e 1986, quando o Brasil
venceu cinco Campeonatos Sul-Americanos seguidos e quase levou uma medalha de bronze na
Olimpíada de Los Angeles-1984.
Tirando esse período, o país ficou sempre atrás dos platinos,
que atingiram o auge em Helsinque-1952, quando conquistaram
uma medalha de ouro.
Aliás, essa foi a última vez que
um atleta argentino subiu ao posto mais
alto do pódio olímpico -um jejum que já se prolonga por 48 anos.
Não foi por mero acaso que o
derradeiro ouro argentino veio
durante o governo de Juan Domingo Perón (1946-55).
O fundador do peronismo utilizou o esporte como peça publicitária, e a Argentina teve seu melhor desempenho olímpico. Somando Londres-1948 e Helsinque-1952, foram quatro ouros,
cinco pratas e nove bronzes.
O governo Carlos Menem
(1989-99), também de inspiração
peronista, repetiu a receita de esporte e marketing político.
Mas o estilo bon vivant e esportista de Menem acabou virando
alvo de críticas, e, nas urnas, seu
partido foi derrotado pelo sisudo
oposicionista Fernando de la Rúa,
da União Cívica Radical.
""Historicamente, o esporte não
é prioridade para os radicais. Não
será diferente desta vez. O novo
governo apagou todo o caminho
percorrido", diz Ibarra.
Ele tem contrato no Brasil até
2003 -coincidentemente, esse é
o ano da próxima eleição presidencial na Argentina.
Com Ibarra, vieram para o Flamengo o auxiliar Osvaldo Borchi
e o preparador físico Gonzalo Vilariño. Oferecendo US$ 4.000
mensais, o Vasco contratou seis
remadores com vaga olímpica.
Um deles é Damián Ordás.
Quando treinava em Buenos Aires, o remador tinha de largar o
barco todas as tardes para assumir o volante de um táxi, que lhe
garantia o sustento.
Agora, pode se dedicar só ao esporte e morar no Rio (sonho de
muitos conterrâneos).
Menos sortudo, o remador
Walter Balunek, ganhador de dois
ouros em Winnipeg, ficou na Argentina. Quando ia ao banco para
retirar a ajuda de custo que recebe
para treinar, foi baleado e terá de
ver Sydney-2000 pela TV.
Clubes ricos, governo pobre
Com investimentos estrangeiros que beiram os US$ 100 milhões para cada clube, o Vasco
(Bank of America) e o Flamengo
(ISL) destinam por volta de US$
500 mil para seus departamentos
de remo -a mesma quantia que
a Secretaria de Esportes argentina
dá anualmente à modalidade.
Além disso, os flamenguistas
vão contar com uma flotilha da
marca alemã Empacher, considerada a melhor do mundo -uma
das exigências de Ibarra que o governo argentino recusou.
Mas a vantagem do Flamengo é
maior ainda, afinal há dez dias assinou um contrato com a Fisa (Federação Internacional de Remo).
O clube se tornará um centro de
treinamento mundial de verão,
recebendo principalmente equipes e técnicos da Europa fugindo
de lagos congelados, águas gélidas
e ameaças constantes de doença.
O CT carioca seguirá os moldes já
implantados em Sevilha (Espanha), mantido pela Fisa.
O acerto foi celebrado com um
passeio pelas águas da lagoa Rodrigo de Freitas, com Ibarra remando junto com Denis Oswald,
presidente da Fisa.
A primeira delegação, porém, a
utilizar esse acordo será Cuba,
que treinará no Rio em agosto.
Esse contrato só se tornou realidade porque Ibarra está no clube,
já que ele é a maior autoridade da
modalidade na região -detém o
cargo de supervisor técnico da Fisa para a América Latina.
Mas a presença de Ibarra no Rio
também está gerando críticas por
parte dos técnicos brasileiros.
""Há um ou dois treinadores que
se sentiram incomodados e falam
que eu não tenho nada a ensinar
aqui. Só quero que me deixem
trabalhar, e os resultados vão aparecer logo", fala Ibarra, enquanto
na tela de seu computador pode
ser lida a frase ""Hasta la Victoria"
(Até a Vitória).
Não é a primeira estadia de
Ibarra pelo Rio: entre 1977 e 1986
foi remador do Flamengo. Ganhou tantas regatas à época que
seu nome foi parar na calçada da
fama que fica na entrada do clube.
Após encerrar sua carreira como competidor, Ibarra passou
quatro anos aprendendo a função
de técnico na Itália.
Bem que ele tenta esconder o segredo de seu trabalho, mas depois
acaba confessando: um bom remador não se faz na água, e sim
em terra firme, mais especificamente na sala de musculação.
Ele aumentou o peso e a quantidade de repetições. Os remadores
nacionais levantavam 56 quilos
em série de 30 movimentos.
Isso se traduzia na água da seguinte maneira: os brasileiros largavam na frente, mas logo perdiam o fôlego e eram ultrapassados pelos concorrentes.
Agora, os remadores levantam
halteres de 120 quilos e as repetições chegam a 240 vezes -esse é
o número de remadas necessárias
para atravessar os dois quilômetros oficiais das regatas. Dessa forma, os competidores se condicionam em terra, fazendo esforço similar ao que será feito na água.
""Os brasileiros conseguiram
atingir esse nível em quatro meses, enquanto os argentinos demoraram quatro anos. Aqui há
muito mais potencial", diz o preparador físico Gonzalo Vilariño.
O planejado é que os efeitos da
colaboração argentina sejam sentidos no Pan-Americano de 2003
e na Olimpíada de Atenas, em
2004. Superar a Argentina seria
uma vingança pessoal de Ibarra e
coletiva do remo brasileiro.
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