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São Paulo, sexta-feira, 04 de julho de 2003

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FUTEBOL

A via-sacra

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Na última quarta-feira, fui até o Morumbi para ver Santos e Boca. O jogo foi terrível, e terrível foi ouvir o apito final.
Mas o pior ainda estava por vir. Sim, vencido leitor e perdida leitora, o pior não é derrota, mas os instantes seguintes. A inevitável via-sacra que acontece após as grandes derrotas.
E este martírio tem sete passos:
O primeiro começa já com a saída do estádio. É duro olhar para os lados e ver um monte de gente triste, as bandeiras sendo enroladas, e um ou outro chorando, borrando a pintura branca e negra do rosto.
Depois vem a saída à rua. Os torcedores andando a passo lento, cabisbaixos, como numa procissão.
Aí você ouve desde frases consoladoras ("Vice não é tão ruim...") até explosões de raiva ("Foi culpa do juiz!"). No chão, pedaços de faixas e papel picado, a festa que não foi.
O terceiro passo é quando você chega ao carro ou ao ônibus. Começa uma nova procissão. Desta vez pelo trânsito. E, é claro, todos os sinais ficarão vermelhos para você.
Então alguém liga um rádio, e aí começa uma das partes mais cansativas das derrotas: as explicações.
"Foi aquele segundo gol em Buenos Aires", dizem uns.
"Faltaram o Maurinho e o Alberto", dizem outros.
"E Pepe e Coutinho", lembram alguns.
Passada essa fase, inicia-se a quinta etapa, a dos "ses". Sua mente tenta imaginar realidades paralelas: se a bola do André Luiz tivesse entrado..., se o Fábio Costa não tivesse sido tão afoito..., se o juiz marcasse o pênalti no Diego..., se o Elano tivesse jogado...
O sexto passo é quando se pensa no dia seguinte. As gozações serão inevitáveis. Você sabe que vai perder a conta do número de vezes que vai ouvir:
"Eu não disse que o Peixe ia morrer pelo Boca?"
Ou então:
"Vocês tomaram só três porque era o Boca Juniors, imagine se fosse o Boca Adultos! Rá, rá!"
Mas este sofrimento antecipado não é o fim do suplício. Não. O sétimo e último passo do martírio vai acontecer quando você chegar em sua casa.
Depois de abrir a porta, você vai entrar com passos pesados e sentar na primeira cadeira que encontrar. E aí vai pensar se deve dar uma olhada na televisão. Você sabe que não deve. Mas não adianta. Você vai até ela e aperta o power.
Obviamente, justo naquela hora passa um jornal noturno. E, obviamente, justo naquela hora passam os gols do jogo. Você revive a bola perdida, o passe perfeito do adversário, o chute inimigo, o inútil salto do goleiro. É a crucificação.
Mas, na manhã seguinte, você acorda, olha o jornal, e vê que seu time está bem no Campeonato Brasileiro. Então pensa: "Bom, se ficarmos entre os primeiros, no ano que vem tem outra Taça Libertadores. Aí a gente acaba com o Boca!"
É a ressurreição!

Boca
O posicionamento defensivo do Boca Juniors foi de uma solidez exemplar: duas linhas de marcadores com um tempo de bola e um sentido de colocação perfeitos. Os atacantes santistas rodavam, rodavam e não achavam espaços. Era um muro sem buracos. Também foi muito boa a vigilância sobre Léo, um jogador que, vindo de trás, surpreende a defesa. E o preparo físico dos auricelestes, como diriam os antigos, mostrou-se excelente. Como se isso não bastasse, a escapada para o contra-ataque era feita em toques de primeira, de rapidez irritante. Os deslocamentos e infiltrações dos argentinos foram inteligentes e articulados. Frente a essa organização, o Santos ficou limitado à raça e ao entusiasmo. Enfim, o Boca mereceu vencer. Foi competitivo e competente.

E-mail torero@uol.com.br


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