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FUTEBOL
A via-sacra
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Na última quarta-feira, fui
até o Morumbi para ver
Santos e Boca. O jogo foi terrível, e
terrível foi ouvir o apito final.
Mas o pior ainda estava por vir.
Sim, vencido leitor e perdida leitora, o pior não é derrota, mas os
instantes seguintes. A inevitável
via-sacra que acontece após as
grandes derrotas.
E este martírio tem sete passos:
O primeiro começa já com a saída do estádio. É duro olhar para
os lados e ver um monte de gente
triste, as bandeiras sendo enroladas, e um ou outro chorando, borrando a pintura branca e negra
do rosto.
Depois vem a saída à rua. Os
torcedores andando a passo lento,
cabisbaixos, como numa procissão.
Aí você ouve desde frases consoladoras ("Vice não é tão ruim...")
até explosões de raiva ("Foi culpa
do juiz!"). No chão, pedaços de
faixas e papel picado, a festa que
não foi.
O terceiro passo é quando você
chega ao carro ou ao ônibus. Começa uma nova procissão. Desta
vez pelo trânsito. E, é claro, todos
os sinais ficarão vermelhos para
você.
Então alguém liga um rádio, e
aí começa uma das partes mais
cansativas das derrotas: as explicações.
"Foi aquele segundo gol em
Buenos Aires", dizem uns.
"Faltaram o Maurinho e o Alberto", dizem outros.
"E Pepe e Coutinho", lembram
alguns.
Passada essa fase, inicia-se a
quinta etapa, a dos "ses". Sua
mente tenta imaginar realidades
paralelas: se a bola do André Luiz
tivesse entrado..., se o Fábio Costa
não tivesse sido tão afoito..., se o
juiz marcasse o pênalti no Diego..., se o Elano tivesse jogado...
O sexto passo é quando se pensa
no dia seguinte. As gozações serão
inevitáveis. Você sabe que vai
perder a conta do número de vezes que vai ouvir:
"Eu não disse que o Peixe ia
morrer pelo Boca?"
Ou então:
"Vocês tomaram só três porque
era o Boca Juniors, imagine se fosse o Boca Adultos! Rá, rá!"
Mas este sofrimento antecipado
não é o fim do suplício. Não. O sétimo e último passo do martírio
vai acontecer quando você chegar
em sua casa.
Depois de abrir a porta, você vai
entrar com passos pesados e sentar na primeira cadeira que encontrar. E aí vai pensar se deve
dar uma olhada na televisão. Você sabe que não deve. Mas não
adianta. Você vai até ela e aperta
o power.
Obviamente, justo naquela hora passa um jornal noturno. E,
obviamente, justo naquela hora
passam os gols do jogo. Você revive a bola perdida, o passe perfeito
do adversário, o chute inimigo, o
inútil salto do goleiro. É a crucificação.
Mas, na manhã seguinte, você
acorda, olha o jornal, e vê que seu
time está bem no Campeonato
Brasileiro. Então pensa: "Bom, se
ficarmos entre os primeiros, no
ano que vem tem outra Taça Libertadores. Aí a gente acaba com
o Boca!"
É a ressurreição!
Boca
O posicionamento defensivo
do Boca Juniors foi de uma solidez exemplar: duas linhas de
marcadores com um tempo de
bola e um sentido de colocação
perfeitos. Os atacantes santistas
rodavam, rodavam e não achavam espaços. Era um muro sem
buracos. Também foi muito
boa a vigilância sobre Léo, um
jogador que, vindo de trás, surpreende a defesa. E o preparo
físico dos auricelestes, como diriam os antigos, mostrou-se excelente. Como se isso não bastasse, a escapada para o contra-ataque era feita em toques de
primeira, de rapidez irritante.
Os deslocamentos e infiltrações
dos argentinos foram inteligentes e articulados. Frente a essa
organização, o Santos ficou limitado à raça e ao entusiasmo.
Enfim, o Boca mereceu vencer.
Foi competitivo e competente.
E-mail torero@uol.com.br
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