São Paulo, sábado, 04 de julho de 2009

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JOSÉ GERALDO COUTO

O direito de espernear


Protestar contra o jogador carola, o locutor chato, o goleiro mascarado e a polícia estúpida faz bem ao torcedor


"EU HOJE não tô bom", desabafava o metalúrgico João Ferrador, memorável personagem criado pelo cartunista Laerte para o movimento sindical, no início dos anos 80.
A frase, linda expressão de mau humor justificado, me veio à mente ao ler, na "Placar" que está nas bancas, a matéria "30 coisas que odiamos no futebol". Estão listadas ali algumas das coisas mais irritantes que o torcedor tem que engolir, seja no estádio ou diante da TV.
Exemplos: camiseta que o jogador exibe por baixo da camisa do time, com mensagens a Deus, à namorada ou à mamãezinha; transmissão ao vivo de treino da seleção; goleiro que comemora defesa; jogador que cai em campo na hora de ser substituído, para fazer cera. E por aí vai. O engraçado da lista é que mistura problemas sérios, como a ação nefasta dos cambistas, com questões puramente subjetivas, como a mania das chuteiras coloridas. Segundo a revista, estas últimas têm "uma única e inegável qualidade: dão um motivo a mais para maldizer aquele pipoqueiro do pezinho colorido".
Mas o que estou dizendo? As birras subjetivas, de gosto pessoal, são tão sérias quanto quaisquer outras. Eu, por exemplo, gosto muito da voz marcante de Léo Batista, mas detesto a expressão "a voz marcante de Léo Batista", que parece sair automaticamente da boca dos locutores da Globo quando chamam os gols de determinada partida.
Todos temos direito a nossas antipatias, caprichos, gostos, pinimbas, traumas, ojerizas, idiossincrasias, aversões, urticárias e engulhos em geral. Protestar contra o que nos irrita é um fator de saúde.
Claro, eu deveria estar falando aqui dos feitos da semana: o título brasileiro na Copa das Confederações, a conquista da Copa do Brasil pelo Corinthians, a chegada do Cruzeiro à final da Libertadores. Mas hoje eu não tô bom. (Mentira: é que a frase é irresistível.) Agora o que também não pode é se apegar a uma bronca e mantê-la a todo custo só para não dar o braço a torcer. Digo isso porque, depois que eu elogiei timidamente o trabalho de Dunga na seleção, alguns leitores protestaram, dizendo que os responsáveis por ganhar as partidas foram os jogadores, não o treinador.
Claro, amigo, mas, se quando o time joga mal a gente mete bronca no técnico, algum mérito ele deve ter quando o time vence e convence ao longo de vários jogos. Muita coisa ainda precisa ser consertada, mas há que reconhecer que Dunga está conseguindo montar uma equipe "cascuda", que equilibra o talento e o empenho em doses iguais.
Não vejo problema em dar o braço a torcer. Eu não gostava de Lúcio, por exemplo, nem de Jorge Henrique. Hoje reconheço que são ótimos jogadores. Achei péssima a escolha de Dunga para comandar a seleção, não vou com a cara nem com o estilo dele. E daí? Está fazendo bem seu trabalho, obtendo os resultados sem sacrificar a beleza do espetáculo.
Eis o segredo: quando a gente dá o braço a torcer, o interlocutor se desarma e acaba não torcendo nada. Se bobear, termina num abraço. Em tempo: na coluna passada, traduzi no piloto automático "candombe" (música uruguaia de origem afro) por candomblé. Toma o meu braço, pode torcer.
jgcouto@uol.com.br


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