São Paulo, sexta-feira, 04 de agosto de 2006

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FÁBIO SEIXAS

Cordeiro à brasileira

Massa parece ter aprendido com o exemplo de Barrichello de que não adianta chiar, mas parece sonhar como ele

SE MASSA teria condições de vencer em Hockenheim é conversa de boteco. Sim, ele andou perto de Schumacher o tempo todo e quase ficou à frente após o primeiro pit. Mas o alemão não tinha motivos para sair desembestado, acelerando, forçando motor, fritando pneus.
Ao contrário. Ciente de que tinha atrás de si um inofensivo, controlou o ritmo. Estivessem Alonso ou Raikkonen em segundo, seria diferente -só para citar o primeiro pit, imporia suas célebres voltas voadoras para tentar abrir alguma folga. Isso tudo é conhecido. É público e notório. O aspecto especulativo, botequeiro, da conversa fica por conta de Massa. Ele alcançaria Schumacher? Faria a ultrapassagem na pista? Conseguiria passar no pit?
Não sabemos. Massa nunca foi visto pilotando um carro de ponta com licença para vencer. Das 12 etapas até agora, Schumacher só abandonou na Austrália, logo um GP em que o brasileiro bateu na largada.
Aos fatos, pois. A Ferrari tem todo o direito de exigir o que bem entender de seus pilotos, mesmo que isso fira o puritanismo e a ética do esporte, princípios que a própria FIA colocou no museu ao deixar impune a marmelada de 2002.
O que é esquisito é alguém aceitar tudo, abdicar do direito de vencer, inalienável até para o pior piloto da pior equipe do grid. O que é curioso e merece reflexão é que os dois últimos a fazerem-no sejam brasileiros. Barrichello tinha a ilusão inicial de que superaria o contrato na pista.
Num segundo momento, delirou com a idéia de que, agradando a escuderia, seria alçado a primeiro piloto quando Schumacher parasse. Se Massa alguma vez sofreu da primeira ilusão, não falou aos jornais nem choramingou ao Louro José -pelo menos para isso serviu a experiência do antecessor. Mas ele tem martelado na cabeça, o tempo todo, a segunda possibilidade.
Mais uma vez, aos fatos. Com um incerto amanhã em mente, como o Barrichello dos últimos anos, Massa se comporta na pista exatamente como o Barrichello dos últimos anos. Na largada em Hockenheim, fez força para não ultrapassar o alemão. Na saída do tal pit stop, deixou a impressão de que frearia se o companheiro demorasse. E ninguém acha estranho. Talvez fruto da anestesia recente.
Talvez porque Massa conte com a paciência (ou indiferença?) da torcida. Talvez reflexo da simpatia do microfone global. Ou talvez porque, como no prefácio de Olavo Bilac em "Lendas e Tradições Brasileiras", de Affonso Arinos, resgatado ontem nesta Folha por Clóvis Rossi, sejamos mesmo um povo "dócil e resignado". Na F-1, esse mundinho sem importância em meio às mazelas do país, não éramos assim.
Daí tanto fascínio no passado. Mas não resistimos à vocação, ser cordeiro já se tornou normal. Povo marcado, povo feliz.

RARIDADE 1
Como de hábito, os pilotos reclamarão hoje de sujeira na pista. Uma prova de como Hungaroring nunca é usado? No ano passado, esqueci um adaptador na tomada da sala de imprensa. Ontem cheguei, sentei-me no mesmo lugar. E lá estava meu velho adaptador.

RARIDADE 2
À pergunta sobre sua eventual vantagem no duelo por vaga contra Villeneuve, Kubica não pestanejou. "O ritmo." Pode ser mais um engano, mas este polonês, dentro e fora da pista, parece ser especial.

RARIDADE 3
Tracy e Tagliani se engalfinharam em San Jose e foram punidos. As cenas da pancadaria estão no www.youtube.com, é só digitar os nomes. Folclore à parte, o veterano deveria ser proibido de correr depois do que fez na pista.


fseixas@folhasp.com.br

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