São Paulo, segunda-feira, 04 de setembro de 2000


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FUTEBOL

O mundo é uma bola (redonda?)

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

No momento em que escrevo esta coluna (domingo à noite, na Austrália, e de manhã, no Brasil), a seleção brasileira principal ainda não enfrentou a Bolívia, portanto ignoro tudo sobre o jogo.
Não sei se foi um desastre ou uma consagração, se Romário lavou a égua ou foi ofuscado por Ronaldinho e Alex, se Wanderley Luxemburgo continua técnico ou já dançou.
O tempo ferve aí no Brasil, mas as coisas chegam aqui devagar e com eco, como os telefonemas de longa distância.
Por enquanto, na "Costa do Ouro" (será que a Confederação Brasileira de Futebol escolheu o lugar pelo nome sugestivo?), tudo é paz.
Até quando, não se sabe.
Esporte é cultura. De tanto ser repetida, a frase acabou virando clichê, adornando slogans de programas de TV e também plataformas eleitorais.
Mas não existe sobre a Terra verdade mais verdadeira.
Enquanto o "nosso" futebol, o "soccer", é relegado na imprensa daqui às notas de pé de página, as manchetes são ocupadas pelo peculiar futebol australiano, também chamado de "aussie rules".
Vi pela TV, anteontem, a final do campeonato nacional da modalidade, em que o time do Essendon massacrou o Melbourne por um placar digno de basquete: 135 a 75.
Definido de muito sumário, o "aussie rules" é um rúgbi muito mais divertido e desorganizado que o original.
São 18 jogadores de cada lado, num imenso campo oval, com 200 metros entre uma trave e outra. Pelo que percebi, todo mundo pode chutar ou jogar com a mão a qualquer momento.
Detalhe: a bola também é oval.
Para aumentar a confusão (pelo menos a minha), as duas equipes jogavam vestindo camisas praticamente iguais, ambas rubro-negras.
O que mais me impressionou foi a potência do chute dos sujeitos. De qualquer lugar do campo eles metem uma bica para o gol, que é parecido com o do futebol americano.
E muitas vezes os jogadores fazem isso na corrida, com um troglodita adversário pendurado no seu pescoço.
Esses chutões, mesmo quando não acertam o alvo, costumam levar a torcida ao delírio.
Isso explica, talvez, os aplausos "nas horas erradas" dos torcedores que compareceram ao jogo-treino da seleção olímpica, sexta-feira passada, contra o Gold Coast City. (Eu ia dizer "poucos torcedores" -cerca de 200-, mas parece que o público das partidas do Vergonhão não tem sido muito melhor que isso).
Pois foi nesse mesmo jogo-treino que reafirmei minha crença na supracitada frase "esporte é cultura".
Embora a equipe adversária tivesse em suas fileiras funcionários públicos e crupiês, o jogo, a olhos leigos, deve ter parecido muito equilibrado (a seleção brasileira ganhou a partida por 1 a 0).
Mas bastou um lance quase invisível - um levíssimo toque de peito de Geovanni que tirou o adversário da jogada - para me fazer lembrar que havia ali um verdadeiro abismo separando as duas culturas.
No "drible de peito" de Geovanni, esse lance de pura intuição e malandragem, que a torcida reunida no local provavelmente nem viu, estava concentrada uma arte burilada coletivamente durante um século: a arte brasileira de jogar futebol.
É curioso pensar que, da mesma origem -o futebol inglês, em última análise-, surgiram dois esportes tão diferentes, o "aussie rules" e o "soccer".
Cada um deles tem seu encanto, que só pode ser percebido e vivido por inteiro por quem está dentro da cultura que o produziu.
Mas tenho a forte sensação de que, se forem criadas condições favoráveis, a Austrália terá tudo para amar e praticar um grande futebol "brasileiro".
O interesse pela bola redonda é crescente entre os jovens.
O problema é que no colégio eles não têm como praticar o "soccer", só o rúgbi e o "aussie rules".
O assunto dá pano para manga. Voltaremos a ele.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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