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Com a Olimpíada, Brasil pode superar "vira-latice"
Para especialistas, realização dos Jogos é oportunidade para derrubar complexo
Vitória põe país como polo nas relações internacionais, mas sucesso esportivo e na organização serão decisivos para consolidar autoestima
LEONARDO CRUZ
MARIANA BASTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"Deixamos de ser um país de
segunda classe. Ganhamos a cidadania internacional", bradava o presidente Lula logo após a
escolha do Rio como sede dos
Jogos Olímpicos de 2016.
Para alguns especialistas
consultados pela Folha, a declaração de Lula em Copenhague simboliza um processo de
projeção do país no cenário internacional e ajuda a alimentar
o espírito ufanista que dominou os discursos da comitiva
brasileira em Copenhague.
Seria a superação do "complexo de vira-latas"? O termo
cunhado pelo cronista Nelson
Rodrigues expressa "a inferioridade em que o brasileiro se
coloca, voluntariamente, em
face do resto do mundo".
"O complexo de vira-latas já
virou complexo de cocker spaniel", analisa Sergio Miceli,
professor de sociologia da USP.
"A escolha do Rio tem grande
repercussão por lidar com o esporte, algo de grande interesse
nacional e internacional. Mas a
autoestima do brasileiro já melhorou nos últimos anos por
causa de uma série de indicadores econômicos e sociais positivos", completa Miceli.
Nos últimos anos, o Brasil
consolidou sua posição como
principal líder regional nas negociações com EUA e Europa.
Além disso, foi um dos articuladores do fortalecimento do
G20, o grupo das 20 maiores
economias do mundo, como
palco de negociações internacionais, em detrimento do G8.
Para se afirmarem definitivamente no cenário internacional, muitos países emergentes, como o Brasil, usaram a
Olimpíada como instrumento.
Nas últimas décadas, os casos mais emblemáticos são os
da Coreia do Sul e da China.
Em 1988, os sul-coreanos demonstraram sua pujança econômica como tigre asiático ao
sediarem a Olimpíada de Seul.
Vinte anos depois, foi a vez
dos chineses. Eles exibiram os
Jogos mais exuberantes de todos os tempos diante de 4,4 bilhões de espectadores. Gastaram cerca de US$ 40 bilhões e
seu principal legado foi imaterial. A China exibiu-se para o
mundo todo como uma das
maiores potências atuais.
Para especialistas, o Brasil
segue uma trajetória similar.
"A mídia dá uma visibilidade
cósmica aos Jogos. Em um
mundo no qual se opera muito
com a imagem, isso [sediar
uma Olimpíada] tem um impacto colossal", declara o economista Carlos Lessa.
O país, aliás, encerra o ciclo
de grandes eventos esportivos
sediados pelos Bric (Brasil,
Rússia, Índia e China), países
emergentes, em uma década.
Após Pequim-08, haverá em
2010, em Nova Déli (Índia), os
Jogos da Comunidade Britânica. Quatro anos depois, o Brasil
sediará a Copa do Mundo, e
Sochi, na Rússia, a Olimpíada
de Inverno. Em 2016, o Rio de
Janeiro complementa o ciclo.
"Não que o Brasil tenha virado uma potência, mas a escolha
do Rio para sediar a Olimpíada
é mais um indicador do rearranjo da posição brasileira no
mundo. É a cereja do bolo,"
afirma Sérgio Miceli.
Anteontem, inclusive, paralelamente à comemoração nas
ruas do Rio, milhares de brasileiros demonstravam com humor seu otimismo na internet.
O termo "Yes, we créu" -paródia ao "Yes, we can", do presidente americano Barack
Obama- virou hit no Twitter,
microblog usado no mundo inteiro. Sempre associado à
Olimpíada no Rio, ele liderou a
lista de expressões mais usadas
durante toda a sexta-feira.
Para o antropólogo carioca
Gilberto Velho, a sensação de
ufanismo e deslumbramento
do povo vem acompanhada
ainda por uma certa desconfiança sobre a capacidade de o
país obter ganhos materiais
por abrigar os Jogos Olímpicos.
"Saí nas ruas de Ipanema hoje [anteontem] à tarde para
sentir o espírito e vi que as pessoas estão animadas. Mas tem
muita gente cética, muita gente
preocupada por causa de experiências anteriores", diz Velho,
em referência ao Pan de 2007,
cujo orçamento foi de R$ 3,7
bilhões, muito superior ao originalmente estimado.
"O Pan foi muito frustrante
para muita gente. Houve desde
o não cumprimento de promessas básicas até o desvio de
recursos financeiros. Coisas
que foram abandonadas. Então, espera-se que não haja nada similar na Olimpíada porque isso gera uma desmoralização. Dá muito medo", pontua.
Mesmo que o país se saia
bem na organização dos Jogos,
ainda há a possibilidade de o
brasileiro voltar a assumir o
complexo de vira-latas. Para o
historiador Manolo Florentino, o país terá que ter um êxito
similar no âmbito esportivo.
"O brasileiro não aceita ser
segundo colocado", avalia o
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
"Se a escolha do Rio infla o
ego nacional agora, o desempenho do país na competição de
2016 tem grande chance de
causar um sentimento de frustração, porque é improvável
que o país se mostre uma potência olímpica", completa.
Foi justamente essa frustração, advinda de uma das maiores derrotas brasileiras dentro
de campo, que fez Nelson Rodrigues criar o termo "complexo de vira-latas". O revés diante
do Uruguai na final Copa de
1950, justamente o último
grande evento esportivo sediado no Brasil, deixou o país atônito e criou o Maracanazo.
"Perdemos da maneira mais
abjeta. Por um motivo muito
simples: porque Obdulio [Varela, capitão uruguaio] nos tratou a pontapés, como se vira-
-latas fôssemos", afirmava a
crônica de Nelson Rodrigues.
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