São Paulo, sexta-feira, 04 de dezembro de 2009

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XICO SÁ

O que vale é a gritaria


Que ganhe o time que jogou mais bonito e tem um antiprofessor no banco, o Orfeu dos treinadores

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, que vingue a aliança populista do meu nobre, cosmopolita e lítero-decadente corvo Edgar com o seu primo pobre brasileiro, o urubu da Gávea e do Henfil, e tinja do vermelho e do negro a tarde-noite do próximo domingo.
Vade retro todos os maracanazos da história. Chega. Essa torcida merece. A que tem grana para pagar o bilhete caríssimo, premiado, que sacanagem!, e a que vai queimar uma carne com a família ou com as clandestinas gostosas da laje, vendo o maior espetáculo da terra pela TV.
O que vale, Carlão, abandono aqui minha crença na luta de classes e faço figa com os deuses que dançam em todos os terreiros, é a gritaria.
Se bem que a luta de classes no Rio toca de ouvido um desconcerto carioca, dom Sérgio Sant'Anna, meu prosador predileto: é um raro lugar do mundo onde os miseráveis tiveram acesso a uma possibilidade de fortuna maluca, merda, tudo bem, o tráfico. Quem sou eu para me meter nestes latifúndios dos Robertos da Matta da vida, mas, quando pobre pega em dinheiro, sabe, né, dá guerra, a lei cai matando, ninguém aguenta ver um preto endinheirado.
Ah, esquece o tema. Que ganhe o time que jogou mais bonito e tem um antiprofessor no banco, educação da água contra a pedra, o bom Jorge Luís Andrade da Silva, o Orfeu dos técnicos, como disse o Fabrício Carpinejar, torcedor do Inter, poeta, o cronista autor de "Canalha" e de outra penca de livros no país que ainda carece gastar as pestanas por tantas causas, noites e balaiadas.
Paz e glória aos homens de boa vontade, aos mineiro-cariocas de Juiz de Fora, caso do treinador do Flamengo, nascido em um 21 de abril tal qual Tiradentes.
Ah, essa terra ainda vai cumprir seu ideal, velho Francisco, e que o teu Flu, o épico da parte de baixo da tabela, volte de Curitiba com o título da resistência, o mais resistível aos cupins e aos chatos que não roerão jamais a renhida resenha da madeira das cricris mesas-redondas.
Andrade, como lembra o escriba Carpi, colorado, é um quase inédito caso de negro no comando de nossos grandes times. "Foram raros, foram poucos os que regeram a casamata do estádio. Ele põe fim ao apartheid da última hierarquia do esporte. Até o Exército foi mais justo antes."
Daí atravesso a Oswaldo Aranha e entro no parque Farroupilha, agora com o amigo Wander Wildner, um raro punk à vera e filosófico, e não digo mais nada, pois essas quatro letras -PUNK- falam tudo no sentido igualmente gaúcho e planetário!
Fala, Fabricio: "Como se o negro fosse um operário, vetado como engenheiro, proibido como arquiteto das emoções das arquibancadas. Como se relegasse ao negro o papel de ator, não permitindo seu desempenho como cineasta, barrando função autoral e inteligência operística".
Andrade, nome quase impronunciável sem que a gente diga junto Andrade, Adílio e Zico. Aliás, ótima sugestão para esses fanáticos papais que batizam seus rebentos com a marca dos seus ídolos ludopédicos: Adílio Andrade Zico Fraga Pereira.
Se bem que vale dar batismo sérvio para o menino que nasce nesse momento: Dejan Petkovic Santos da Silva. Sim, não esqueçamos da festa do Adriano, na favela onde nasceu.
Tomara que isso aconteça, amém!

xico.folha@uol.com.br


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