São Paulo, sábado, 05 de janeiro de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

O gênio selvagem


Maradona ganhou o mundo com seu futebol, mas parece que nunca saiu de Villa Fiorito, da periferia de Buenos Aires


MARADONA continua com a língua afiada. Em entrevista publicada na edição de dezembro da revista argentina "El Gráfico", o eterno craque argentino esculhamba Blatter, Platini, Beckenbauer, Grondona [presidente da Associação de Futebol da Argentina] e, claro, Pelé, a quem se refere como "el morocho, el diez brasileño [o moreno, o dez brasileiro]".
É uma conversa deliciosa, na qual Diego passa em revista os fatos mais relevantes de sua acidentada biografia. Diz que se drogou com cocaína pela primeira vez aos 22 anos, "para investigar [por curiosidade]". Refuta a insinuação do entrevistador, de que teria sido induzido à experiência por outros. "Fui por mim, não coloquemos a culpa em ninguém." Por que Pelé lhe desagrada? "Porque puxa o saco de Blatter, de Beckenbauer, de Platini, porque está querendo se meter permanentemente em todos os negócios. Porque se esquece de que foi jogador de futebol", explica o "Pibe de Oro". E acrescenta: "Romário disse isso, Zico também, os próprios brasileiros".
Há muito de tolo e discutível nessa antipatia por Pelé, mas a entrevista confirma uma impressão que eu tive ao ler as memórias do jogador, "Yo soy el Diego de la gente": Maradona, de certo modo, não saiu de Villa Fiorito, o bairro miserável de Buenos Aires onde cresceu.
Toda a visão de mundo do craque, todo o seu sistema de valores, vem dali. É curioso ver como um astro que foi constantemente acusado de perverter os costumes e incentivar o vício é, na verdade, extremamente apegado à família, falando a todo momento dos pais e das filhas.
O entrevistador pergunta a certa altura se, na pobreza de Villa Fiorito, não lhe passou nunca pela cabeça roubar. Maradona diz: "Não, porque meu velho teria me despedaçado a pancadas. Ele me educou muito bem, o mal-ensinado fui eu, com tudo o que fiz de mal na minha vida".
Quanto às filhas, Maradona diz que lhe salvaram a vida mais de uma vez. "Quando eu estava quase morto, da última vez, a menorzinha, Gianinna, me disse: "Papai, você tem que viver para mim". E isso se fez carne em mim, viu, ou seja, levanto-me todos os dias pensando nisso." O ponto de vista popular, que não raro resvala para um certo populismo, define a opinião de Maradona sobre todas as coisas.
Quando lhe perguntam se prefere Tevez ou Riquelme, diz: "Tevez, por ser da favela". O entrevistador insiste: "Bom, Riquelme tampouco nasceu na Recoleta [bairro chique de Buenos Aires]". E o craque: "Mas Riquelme é mais fino. Tevez é mais maloqueiro, como eu".
Opiniões discutíveis, claro. O que não se discute é a autenticidade do astro, e muito menos sua sensibilidade no que se refere ao bom futebol. Questionado sobre quem é o melhor jogador do mundo na atualidade, responde que está entre Ronaldinho e Messi. Sobre o melhor que viu jogar, divide-se entre Romário e Van Basten. Dentro das quatro linhas, Maradona foi um gênio só superado por Pelé e, talvez, Garrincha. Como cidadão, tropeçou muitas vezes, renasceu outras tantas das cinzas, diz bobagens e coisas luminosas. Não é um deus, é apenas um homem. Mas quantos homens de verdade ainda sobram no mundo de hoje?

jgcouto@uol.com.br


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