São Paulo, Sexta-feira, 05 de Fevereiro de 1999
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O sucesso e as mentiras no futebol

CÉSAR LUIS MENOTTI
especial para a Folha

O futebol transformou-se em um grande negócio, 80% de tudo o que se escreve e se fala estão ligados ao negócio, e não ao esporte. A cada dia fala-se menos do jogo, e cada opinião quase sempre está ligada à venda -de um suposto êxito com a cumplicidade do engano.
Um exemplo disso são os técnicos que, quando estão amparados por um sucesso momentâneo, querem aparecer como forjadores e criadores de algo novo e começam a apresentar supostas idéias novas, modelos inéditos em uma linguagem confusa e pouco acessível.
Um dos pioneiros de tantas mentiras foi Carlos Bilardo, que pretendia que acreditássemos que a seleção argentina campeã no México, em 86, havia ganhado a Copa graças a um modelo moderno, desenhado por ele, mas, sem dúvida, no plano tático, não foi nada diferente do que fizeram Itália e Alemanha 40 anos atrás.
Aquela equipe argentina contava com Diego Maradona em seu melhor momento e estado, e este foi um dos jogadores que somente com sua presença reforçam e fazem indiscutíveis todos os sistemas. Ele foi o grande salto de qualidade. A tal ponto que, com Maradona, não todas, mas pelo menos cinco seleções poderiam ter vencido o Mundial. Se quisermos ser sérios na discussão de idéias e sistemas, temos que dar respostas com análises sobre o desenrolar do espetáculo, do bom jogo, e não mesclar futebol-jogo com futebol-negócio.
1) O futebol hoje é mais rápido que antes? No futebol, não é mais rápido quem chega primeiro, mas quem resolve antes. Zidane se move hoje como um dos maiores jogadores de todas as épocas e não é mais veloz do que Moriero ou Rivellino.
2) Hoje, marca-se mais duro e com mais velocidade? As grandes estrelas, como Pelé, Maradona, Platini, Garrincha, Gérson e Cruyff, foram marcadas de todas as maneiras possíveis, tão forte e duro como hoje marcam Zidane ou qualquer outro. Os que crêem que é preciso anular os criadores com uma marcação ferrenha e pessoal existem há 40 anos.
3) Hoje, é impossível jogar com vários toques na bola? A velocidade e a quantidade de jogadores no meio-campo fazem com que não haja espaço? Não é verdade. Um time tem que decidir o que quer, como a Holanda, que aposta na cadência da bola como ponto de partida de seu jogo. E quantos toques? O que determina isso é o talento do jogador.
Saber jogar bem futebol não é um grande segredo. Não adianta correr muito se não souber se deslocar bem, tampouco não é bom ficar paradão se não encontrar os melhores lugares. Não é preciso ser muito hábil se souber aproveitar a habilidade.
Beckenbauer não foi nem o mais hábil nem o mais rápido nem o mais técnico nem o mais forte, mas foi um dos grandes defensores da história, porque foi um grande jogador.
Quero encerrar esta coluna com uma anedota emprestada de outro esporte que exemplifica bem o que estou defendendo. Uma vez perguntaram ao tricampeão de F-1 Jackie Stewart, fenômeno nos anos 60, se o pentacampeão mundial Juan Manuel Fangio poderia correr na categoria hoje, e ele respondeu: ""Estou seguro que sim. Só não posso assegurar se nós todos poderíamos ter corrido naquela época".


César Luis Menotti , 60, foi técnico da seleção da Argentina campeã na Copa de 78


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