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O sucesso e as mentiras no futebol
CÉSAR LUIS MENOTTI
especial para a Folha
O futebol transformou-se em
um grande negócio, 80% de tudo o que se escreve e se fala estão ligados ao negócio, e não ao
esporte. A cada dia fala-se menos do jogo, e cada opinião
quase sempre está ligada à venda -de um suposto êxito com
a cumplicidade do engano.
Um exemplo disso são os técnicos que, quando estão amparados por um sucesso momentâneo, querem aparecer como
forjadores e criadores de algo
novo e começam a apresentar
supostas idéias novas, modelos
inéditos em uma linguagem
confusa e pouco acessível.
Um dos pioneiros de tantas
mentiras foi Carlos Bilardo,
que pretendia que acreditássemos que a seleção argentina
campeã no México, em 86, havia ganhado a Copa graças a
um modelo moderno, desenhado por ele, mas, sem dúvida, no
plano tático, não foi nada diferente do que fizeram Itália e
Alemanha 40 anos atrás.
Aquela equipe argentina contava com Diego Maradona em
seu melhor momento e estado,
e este foi um dos jogadores que
somente com sua presença reforçam e fazem indiscutíveis
todos os sistemas. Ele foi o
grande salto de qualidade. A
tal ponto que, com Maradona,
não todas, mas pelo menos cinco seleções poderiam ter vencido o Mundial. Se quisermos ser
sérios na discussão de idéias e
sistemas, temos que dar respostas com análises sobre o desenrolar do espetáculo, do bom jogo, e não mesclar futebol-jogo
com futebol-negócio.
1) O futebol hoje é mais rápido que antes? No futebol, não é
mais rápido quem chega primeiro, mas quem resolve antes.
Zidane se move hoje como um
dos maiores jogadores de todas
as épocas e não é mais veloz do
que Moriero ou Rivellino.
2) Hoje, marca-se mais duro e
com mais velocidade? As grandes estrelas, como Pelé, Maradona, Platini, Garrincha, Gérson e Cruyff, foram marcadas
de todas as maneiras possíveis,
tão forte e duro como hoje marcam Zidane ou qualquer outro.
Os que crêem que é preciso
anular os criadores com uma
marcação ferrenha e pessoal
existem há 40 anos.
3) Hoje, é impossível jogar
com vários toques na bola? A
velocidade e a quantidade de
jogadores no meio-campo fazem com que não haja espaço?
Não é verdade. Um time tem
que decidir o que quer, como a
Holanda, que aposta na cadência da bola como ponto de partida de seu jogo. E quantos toques? O que determina isso é o
talento do jogador.
Saber jogar bem futebol não é
um grande segredo. Não adianta correr muito se não souber se
deslocar bem, tampouco não é
bom ficar paradão se não encontrar os melhores lugares.
Não é preciso ser muito hábil se
souber aproveitar a habilidade.
Beckenbauer não foi nem o
mais hábil nem o mais rápido
nem o mais técnico nem o mais
forte, mas foi um dos grandes
defensores da história, porque
foi um grande jogador.
Quero encerrar esta coluna
com uma anedota emprestada
de outro esporte que exemplifica bem o que estou defendendo.
Uma vez perguntaram ao tricampeão de F-1 Jackie Stewart,
fenômeno nos anos 60, se o pentacampeão mundial Juan Manuel Fangio poderia correr na
categoria hoje, e ele respondeu:
""Estou seguro que sim. Só não
posso assegurar se nós todos poderíamos ter corrido naquela
época".
César Luis Menotti , 60, foi técnico da seleção
da Argentina campeã na Copa de 78
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