São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2004

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APRENDENDO NO GRITO

Novata na etiqueta do esporte, torcida assusta atletas, mas muda atitude durante evento

Bê-a-bá do tablado tem vaia e tamborim

DA SUCURSAL DO RIO

E DA REPORTAGEM LOCAL

A Copa do Mundo de ginástica artística no Rio marcou o início da ""pátria de collant" e também serviu de aprendizado para os torcedores brasileiros.
Acostumados a gritar o tempo todo, a fotografar os craques e até a atirar objetos nos adversários nos estádios, os fãs tiveram que deixar o clima ""boleiro" de lado no Riocentro para se encaixar no ""mundo estranho".
Como a ginástica é um esporte que exige concentração, o público fora do Brasil pouco participa e aplaude os atletas somente nos finais das apresentações.
Já no Rio, os fãs, a maioria mulheres e crianças, assustaram os ginastas. ""A gritaria foi muito grande. A torcida nos empolga, mas algumas vezes chega a nos atrapalhar. Quando começaram a gritar o meu nome, parecia que estava caindo do cavalo. Mas valeu. É questão de hábito. Nas próximas vezes, o ambiente será melhor", disse o Mosiah Rodrigues, da seleção masculina.
A Confederação Brasileira de Ginástica afirma que até 2007 a federação internacional se comprometeu a realizar anualmente uma etapa da Copa no país.
Porém a reação do público não assustou só os atletas. Magda dos Santos, mãe de Daiane, chegou a gritar com os colegas de arquibancada, pouco antes de sua filha estrear a coreografia que exibirá nos Jogos de Atenas.
Com o público cantando sem parar o nome da atual campeã mundial de solo, Magda, aos berros, pediu silêncio. Em vão.
""Na ginástica, a concentração é muito importante. Quando escutei aquela gritaria ensurdecedora, não me contive. A mãe falou mais alto. Espero que as pessoas tenham entendido a minha reação", disse Magda, que viu pela primeira vez uma exibição da filha pela Copa do Mundo.
Os torcedores tampouco economizaram nas fotos. Eram tantos flashes disparados que o locutor do evento não cansou de pedir que não fotografassem os atletas. Ele alegava que os flashes atrapalhavam o desempenho deles. Mas também foi em vão.
""Ninguém sabe torcer ainda, mas isso aqui é muito mais agradável que o Maracanã. Lá, fede muito. Aqui, como só tem mulher, é mais agradável. Tem até cheiro de perfume", afirmou o torcedor Cláudio Martins.
Porém o público, que cresceu a cada dia no Riocentro -3.413 (sexta), 3.723 (sábado) e 3.721 (domingo)-, mudou sua forma de torcer durante a Copa.
""Estou acostumada a berrar. Quando dei o meu primeiro grito, umas pessoas olharam com cara feia para trás e decidi ficar calada. Já a minha mãe não teve "simancol" e torceu como se estivesse no Maracanã", disse Júlia Gomes, 19, que viu pela primeira vez um torneio de ginástica.
Ontem, os torcedores chegaram a ter uma atitude incomum nos estádios de futebol. Na apresentação, aplaudiram os juízes. Detalhe: os árbitros brasileiros foram ovacionados. ""Nunca vi isso. Sabia que a torcida tinha que ser mais comportada, mas não poder xingar juiz tira a graça", disse Manuela Rabelo, 22.
Mesmo assim, o público vaiou a nota de solo dada à uzbeque Oksana Chusovitina (8,800), ginasta mais velha do evento -28 anos- e que atua para ajudar a pagar o tratamento do filho, Alisher, 4, que tem leucemia.
Ontem era possível ouvir pedido de silêncio dos próprios torcedores. Carlos Andrade Naves foi censurado ao tocar tamborim logo na abertura e ficou quieto o resto do dia. ""Toco nos jogos de futebol de areia e de vôlei de praia. Pensava em fazer a mesma bagunça aqui, mas não deu. Acho que comecei a aprender a torcer. No ano que vem, não trago o tamborim."
Até Daiane, a atleta mais aplaudida no Rio, reconhece a evolução. "Em Curitiba, muitos taxistas já discutem o duplo twist carpado [movimento que a consagrou na ginástica e que leva o seu nome]."
O público, que nos três dias totalizou 10.867 e permitiu a arrecadação de R$ 92.100 em bilheteria, também reclamou. Ao todo, foram 17 críticas recebidas pelo ouvidor do evento. (SR E CCP)


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