São Paulo, segunda-feira, 05 de maio de 2008

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ENTREVISTA DA 2ª

NADIA COMANECI


"O esporte é uma política em si e não depende de governos"

Para romena, primeira ginasta a receber nota 10 em Olimpíadas, Jogos não servem para fortalecer regimes

A PROXIMIDADE da Olimpíada de Pequim tem despertado críticas de atletas à violação de direitos humanos pela China. Maior estrela da ginástica e um dos maiores mitos olímpicos, Nadia Comaneci acha "absurdo" um eventual boicote. "Os Jogos estão sediados na China. Eles não serão os Jogos da China", disse a romena à Folha, por telefone, de Oklahoma, onde vive com o marido e o filho. Tão pouco vê utilidade em recordar sua fuga da Romênia e se engajar politicamente. "O esporte é uma política em si. Ele muda a vida das pessoas, independe de governos."

DANIEL BERGAMASCO
DE NOVA YORK

 

FOLHA - Como você vê as polêmicas que cercam os Jogos da China?
NADIA COMANECI
- Veja... Eu não concordo com as violações de direitos que acontecem lá, sei que o país tem problemas, mas isso não tem nada a ver com ginástica. Nem com esporte nenhum. Boicotar a competição seria um absurdo. Os Jogos estão sediados na China, não serão os Jogos da China. Isso é muito diferente. Fortalecer os Jogos não é fortalecer o regime.

FOLHA - A tradição é de que vitórias olímpicas sejam usadas por governos para mostrar sua força. Mesmo no seu caso: não acredita que sua vitória tenha sido também um triunfo do comunismo?
COMANECI
- Não, não vejo dessa forma. O sistema de treinamento, de fato, era muito bom. E aconteceu que eu nasci naquele país. Então minhas vitórias foram fruto do meu talento e do treinamento do país.

FOLHA - Mas é notório que medalhas eram usadas politicamente na Guerra Fria pelos dois lados.
COMANECI
- Bem, como criança, eu não via as coisas dessa forma. E hoje isso não me interessa. O esporte é uma política em si. Ele muda a vida das pessoas, ele não depende de governos.

FOLHA - Como moradora de Oklahoma, como vê a política nos EUA?
COMANECI
- Hum... Eu posso votar aqui, mas neste ano decidi não votar [nas primárias], não tinha elementos para decidir. Mas também não contaria para você em quem votei. Não me envolvo com política. Na Romênia, muitas, muitas pessoas me pedem apoio para suas candidaturas, mas me recuso a participar. Eu prefiro fazer caridade, essa é a minha política.

FOLHA - Como foi atingir a perfeição aos 14 anos de idade?
COMANECI
- Não percebia dessa forma. Minha vida não mudou. Quando você é uma criança de 14 anos, não se dá conta de que está fazendo história. Só percebi isso anos depois.

FOLHA - Não é possível que sua vida não tenha mudado...
COMANECI
- Não mudou. Eu voltei para meu país e fiquei treinando muitas horas por dia, do mesmo jeito, pensando nas próximas competições. Não ganhei dinheiro, ginástica era um esporte amador. Não se pode comparar com futebol, com tênis, não tem a mesma mídia, o mesmo nível de patrocínio.

FOLHA - E hoje você ganha muito dinheiro?
COMANECI
- Eu tenho uma vida confortável, mas tenho que trabalhar muito para mantê-la. Eu me sustento com a fama que eu ganhei naquela época, mas para aproveitá-la eu tenho que continuar viajando muito, gravando comerciais, participando de eventos. Nada é fácil. É trabalho duro, até hoje. Mas também, veja, eu nunca insisti na ginástica achando que me tornaria uma milionária.

FOLHA - E por que alguém que atinge a perfeição segue competindo?
COMANECI
- Ser perfeito uma vez, de que adianta? As pessoas cobram que você seja perfeito sempre. Não iria me aposentar aos 14 anos. Por isso continuei. E nem sempre fui perfeita nas provas. Perdia pontos e todos esperavam a nota dez de mim.

FOLHA - E isso não é pressão demais para uma garota?
COMANECI
- Não, não acho.

FOLHA - A ginástica é um esporte muito criticado...
COMANECI
- [Interrompe] Nem me fale! Critica-se muito pelas meninas, pelos meninos nem tanto. Eu não entendo o porquê.

FOLHA - Para citar dois motivos: é um esporte perigoso e coloca crianças em jornadas de muitas horas de treinamento.
COMANECI
- A rua é mais perigosa. A criança pode estar na rua e ser atropelada por um carro. A vida é perigosa. Mas se você tem um treinador sério, que treina de um jeito que não é perigoso, então não é perigoso. Não concordo com as críticas.

FOLHA - Quem você admira na ginástica atualmente?
COMANECI
- Bom, eu sou da Romênia, presto muita atenção no que acontece lá. Admiro atualmente a Jade Barbosa, um grande talento do Brasil. E também a americana Shawn Johnson, que é excelente. Mas vamos ver quem os chineses vão colocar. Deveremos ter surpresas, com nomes novos.

FOLHA - O que você sabe sobre a ginástica no Brasil?
COMANECI
- Jade Barbosa é um grande talento. Os [irmãos Diego e Daniele] Hypólito também, a Daiane dos Santos... Eu acompanho. Fico feliz em ver esses talentos em países que não são tradicionais na ginástica. Mas veja: quando competi, a ginástica da Romênia tinha tradição forte fazia poucas décadas. Fizeram o investimento certo e aconteceu. Então, nos anos 80, os EUA fizeram valer o investimento que tiveram. É preciso ter uma massa de crianças talentosas e treinadores experientes, como o Brasil tem agora, e investimento. Desejo boa sorte ao Brasil.

FOLHA - Como vê a Romênia hoje, após o fim do comunismo?
COMANECI
- É um país melhor, não? As pessoas são livres.

FOLHA - Quais as lembranças de quando deixou o país?
COMANECI
- Não falarei disso. Leia meu livro ["Letters to a Young Gymnast", de 2004, não editado no Brasil]. Demoraria horas para lhe contar e não vou tocar nesse assunto de novo. Aconteceu porque tinha que ter acontecido naquele tempo e já falei disso no momento certo.

FOLHA - É uma lembrança que a machuca?
COMANECI
- Eu não quero falar.

FOLHA - Como foi para um mito do esporte participar do reality show "O Aprendiz" e ser a segunda demitida por Donald Trump?
COMANECI
- A razão pela qual entrei no programa é porque o prêmio seria doado para caridade. Mas eu não sei ser cruel, me desculpe, então fui a segunda a ser demitida, o que foi até bom. Eu não sou capaz de pular no pescoço de outra pessoa para continuar em um show de TV. Não vivo daquele jeito.

FOLHA - Você se arrependeu?
COMANECI
- Não. Na vida gosto de ser a número um, mas dessa vez eu fui a segunda. A segunda demitida [risos].

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foi o número de vezes que Nadia Comaneci recebeu nota 10 dos jurados na Olimpíada de Montréal, em 76, após sua performance nas paralelas assimétricas. A romena foi a primeira ginasta a conseguir o feito

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medalhas olímpicas conquistou a ginasta nos Jogos de Montréal-76 e Moscou-80. Dessas, cinco foram de ouro. A primeira, no Canadá, aos 14 anos, fez dela a mais jovem ginasta campeã no individual geral


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