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ENTREVISTA DA 2ª
NADIA COMANECI
"O esporte é uma política em si e não depende de governos"
Para romena, primeira ginasta a receber nota 10 em Olimpíadas, Jogos não servem para fortalecer regimes
A PROXIMIDADE da Olimpíada de Pequim tem despertado críticas de atletas à violação de direitos humanos pela China. Maior estrela da ginástica e
um dos maiores mitos olímpicos, Nadia
Comaneci acha "absurdo" um eventual
boicote. "Os Jogos estão sediados na
China. Eles não serão os Jogos da China", disse a romena à Folha, por telefone, de Oklahoma, onde vive com o marido e o filho. Tão pouco vê utilidade
em recordar sua fuga da Romênia e se
engajar politicamente. "O esporte é
uma política em si. Ele muda a vida
das pessoas, independe de governos."
DANIEL BERGAMASCO
DE NOVA YORK
FOLHA - Como você vê as polêmicas que cercam os Jogos da China?
NADIA COMANECI - Veja... Eu não
concordo com as violações de direitos que acontecem lá, sei que
o país tem problemas, mas isso
não tem nada a ver com ginástica. Nem com esporte nenhum.
Boicotar a competição seria um
absurdo. Os Jogos estão sediados na China, não serão os Jogos da China. Isso é muito diferente. Fortalecer os Jogos não é
fortalecer o regime.
FOLHA - A tradição é de que vitórias olímpicas sejam usadas por governos para mostrar sua força. Mesmo no seu caso: não acredita que
sua vitória tenha sido também um
triunfo do comunismo?
COMANECI - Não, não vejo dessa
forma. O sistema de treinamento, de fato, era muito bom.
E aconteceu que eu nasci naquele país. Então minhas vitórias foram fruto do meu talento
e do treinamento do país.
FOLHA - Mas é notório que medalhas eram usadas politicamente na
Guerra Fria pelos dois lados.
COMANECI - Bem, como criança,
eu não via as coisas dessa forma. E hoje isso não me interessa. O esporte é uma política em
si. Ele muda a vida das pessoas,
ele não depende de governos.
FOLHA - Como moradora de Oklahoma, como vê a política nos EUA?
COMANECI - Hum... Eu posso
votar aqui, mas neste ano decidi não votar [nas primárias],
não tinha elementos para decidir. Mas também não contaria
para você em quem votei. Não
me envolvo com política. Na
Romênia, muitas, muitas pessoas me pedem apoio para suas
candidaturas, mas me recuso a
participar. Eu prefiro fazer caridade, essa é a minha política.
FOLHA - Como foi atingir a perfeição aos 14 anos de idade?
COMANECI - Não percebia dessa
forma. Minha vida não mudou.
Quando você é uma criança de
14 anos, não se dá conta de que
está fazendo história. Só percebi isso anos depois.
FOLHA - Não é possível que sua vida não tenha mudado...
COMANECI - Não mudou. Eu
voltei para meu país e fiquei
treinando muitas horas por dia,
do mesmo jeito, pensando nas
próximas competições. Não ganhei dinheiro, ginástica era um
esporte amador. Não se pode
comparar com futebol, com tênis, não tem a mesma mídia, o
mesmo nível de patrocínio.
FOLHA - E hoje você ganha muito
dinheiro?
COMANECI - Eu tenho uma vida
confortável, mas tenho que trabalhar muito para mantê-la. Eu
me sustento com a fama que eu
ganhei naquela época, mas para
aproveitá-la eu tenho que continuar viajando muito, gravando comerciais, participando de
eventos. Nada é fácil. É trabalho duro, até hoje. Mas também, veja, eu nunca insisti na
ginástica achando que me tornaria uma milionária.
FOLHA - E por que alguém que atinge a perfeição segue competindo?
COMANECI - Ser perfeito uma
vez, de que adianta? As pessoas
cobram que você seja perfeito
sempre. Não iria me aposentar
aos 14 anos. Por isso continuei.
E nem sempre fui perfeita nas
provas. Perdia pontos e todos
esperavam a nota dez de mim.
FOLHA - E isso não é pressão demais para uma garota?
COMANECI - Não, não acho.
FOLHA - A ginástica é um esporte
muito criticado...
COMANECI - [Interrompe] Nem
me fale! Critica-se muito pelas
meninas, pelos meninos nem tanto. Eu não entendo o porquê.
FOLHA - Para citar dois motivos: é
um esporte perigoso e coloca crianças em jornadas de muitas horas de
treinamento.
COMANECI - A rua é mais perigosa. A criança pode estar na rua e
ser atropelada por um carro. A
vida é perigosa. Mas se você
tem um treinador sério, que
treina de um jeito que não é perigoso, então não é perigoso.
Não concordo com as críticas.
FOLHA - Quem você admira na ginástica atualmente?
COMANECI - Bom, eu sou da Romênia, presto muita atenção no
que acontece lá. Admiro atualmente a Jade Barbosa, um
grande talento do Brasil. E
também a americana Shawn
Johnson, que é excelente. Mas
vamos ver quem os chineses
vão colocar. Deveremos ter
surpresas, com nomes novos.
FOLHA - O que você sabe sobre a ginástica no Brasil?
COMANECI - Jade Barbosa é um
grande talento. Os [irmãos Diego e Daniele] Hypólito também, a Daiane dos Santos... Eu
acompanho. Fico feliz em ver
esses talentos em países que
não são tradicionais na ginástica. Mas veja: quando competi, a
ginástica da Romênia tinha tradição forte fazia poucas décadas. Fizeram o investimento
certo e aconteceu. Então, nos
anos 80, os EUA fizeram valer o
investimento que tiveram. É
preciso ter uma massa de crianças talentosas e treinadores experientes, como o Brasil tem
agora, e investimento. Desejo
boa sorte ao Brasil.
FOLHA - Como vê a Romênia hoje,
após o fim do comunismo?
COMANECI - É um país melhor,
não? As pessoas são livres.
FOLHA - Quais as lembranças de
quando deixou o país?
COMANECI - Não falarei disso.
Leia meu livro ["Letters to a Young
Gymnast", de 2004, não editado no Brasil]. Demoraria horas
para lhe contar e não vou tocar
nesse assunto de novo. Aconteceu porque tinha que ter acontecido naquele tempo e já falei
disso no momento certo.
FOLHA - É uma lembrança que a machuca?
COMANECI - Eu não quero falar.
FOLHA - Como foi para um mito do
esporte participar do reality show
"O Aprendiz" e ser a segunda demitida por Donald Trump?
COMANECI - A razão pela qual
entrei no programa é porque o
prêmio seria doado para caridade. Mas eu não sei ser cruel,
me desculpe, então fui a segunda a ser demitida, o que foi até
bom. Eu não sou capaz de pular
no pescoço de outra pessoa para continuar em um show de
TV. Não vivo daquele jeito.
FOLHA - Você se arrependeu?
COMANECI - Não. Na vida gosto
de ser a número um, mas dessa
vez eu fui a segunda. A segunda
demitida [risos].
7
foi o número de vezes que
Nadia Comaneci recebeu
nota 10 dos jurados na
Olimpíada de Montréal, em
76, após sua performance
nas paralelas assimétricas.
A romena foi a primeira ginasta a conseguir o feito
9
medalhas olímpicas conquistou a ginasta nos Jogos de Montréal-76 e Moscou-80. Dessas, cinco foram de ouro. A primeira, no
Canadá, aos 14 anos, fez
dela a mais jovem ginasta
campeã no individual geral
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