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FUTEBOL
O verdadeiro "reality show"
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Arthur Nestrovski publicou ontem neste espaço um belo artigo
sobre "O medo na hora do pênalti". Mal sabia ele que o fim de semana ainda veria uma batalha
épica decidida nos pênaltis.
Cruzeiro x Paysandu teve de tudo: uma festa de gols, reviravoltas
dramáticas no placar e, na hora
decisiva, três pênaltis perdidos pelo time mineiro.
O que Arthur escreveu ontem
sobre Marlon e Serginho -que
perderam os pênaltis do São Caetano contra o Olimpia na quarta-feira- vale hoje para os cruzeirenses Ricardinho, Vander e Jussiê. Eu que não queria estar na
pele deles.
"Sei que o futebol é alienante,
mas não consigo deixar de gostar." Assim começava o e-mail
que recebi de um jovem jornalista
e crítico de cinema.
Ao escrever a resposta, me vi de
repente exaltado, defendendo
com paixão a idéia oposta: no
mundo de aparências e mentiras
em que vivemos, o futebol é uma
das poucas coisas reais que nos
restam.
Senão, vejamos. A política está
dominada pela publicidade; a
economia, pela especulação; a
cultura, pelo culto à celebridade.
Tudo é simulacro, encenação,
faz-de-conta.
Claro que no mundo do futebol
também reinam essas três pragas
(publicidade, especulação, culto à
celebridade), mas dentro do campo, sob os olhares da torcida e das
câmeras de TV, a história é outra.
Um jogo de futebol é um "reality show" condensado em 90 minutos. É a hora da verdade para
os 25 homens em campo (os 22 jogadores, o juiz e os bandeirinhas).
É dentro daquelas quatro linhas, sob os mil olhos do "grande
irmão", que cada um deles põe à
prova sua competência técnica e
sua inteireza moral. Força física,
agilidade mental, índole solidária, lealdade, coragem -ou, inversamente, debilidade, raciocínio obtuso, egoísmo, traição e covardia- serão revelados e amplificados ao longo do jogo.
Não é uma bola de couro o que
faz a platéia rugir, dançar, chorar. A bola é só o pretexto.
O que está diante de nós é o drama humano concentrado, uma
versão lúdica das relações sociais
em que estamos emaranhados. É
a nós mesmos que vemos nessa espécie de espelho deformante
-análogo, nesse aspecto, aos sonhos e às obras de arte.
É possível que nos últimos meses não tenha havido nenhuma
manifestação artística de impacto emocional comparável à história de Ronaldo na Copa.
Mais de 1 bilhão de pessoas presenciaram simultaneamente, e ao
vivo, a romanesca volta por cima
do rapaz. Fora do campo, Ronaldo pode ser um fantasma de si
mesmo, uma celebridade que
participa de eventos sociais, dirige Ferraris e frequenta as revistas
de fofocas. Dentro de campo, porém, ele está nu, sem lenço e sem
documento. É um homem sozinho diante de seu destino.
Forçando um pouco, podemos
dizer que o verdadeiro Ronaldo
só existe no campo de futebol. Fora dali, é um ator que representa
a si mesmo.
"Nada do que é humano me é
alheio", dizia, há dois milênios, o
poeta latino Terêncio. Alienar, segundo o "Aurélio", é "tornar
alheio, alhear". Como pode ser
alienante uma experiência que
nos faz olhar para dentro de nós
mesmos e enfrentar, conscientemente ou não, nossos fantasmas
interiores, nossas forças ocultas,
nossa grandeza e nossa miséria?
Nova sensação
Com a vitória de ontem, o
Paysandu é o primeiro time
do Norte do país a participar
de uma Libertadores. Não é
fogo de palha. No ano passado, o clube foi campeão brasileiro da Série B. No primeiro semestre deste ano, conquistou a Copa Norte. Ao que
tudo indica, o Papão da Curuzu está disposto a repetir o
sucesso do São Caetano.
Nova direção
Por falar nisso, parece que o
Azulão está prestes a contratar o ex-craque Mário Sérgio
para o lugar de Jair Picerni.
Uma boa escolha. Pode-se
não gostar de Mário Sérgio,
treinador de perfil um tanto
arrogante e autoritário, mas
não se pode negar que ele
costuma armar bons times
mesmo sem dispor de jogadores excepcionais. Um
exemplo é o Atlético-PR do
ano passado, armado por ele
e aperfeiçoado por Geninho.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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