São Paulo, segunda-feira, 05 de agosto de 2002

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FUTEBOL

O verdadeiro "reality show"

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Arthur Nestrovski publicou ontem neste espaço um belo artigo sobre "O medo na hora do pênalti". Mal sabia ele que o fim de semana ainda veria uma batalha épica decidida nos pênaltis.
Cruzeiro x Paysandu teve de tudo: uma festa de gols, reviravoltas dramáticas no placar e, na hora decisiva, três pênaltis perdidos pelo time mineiro.
O que Arthur escreveu ontem sobre Marlon e Serginho -que perderam os pênaltis do São Caetano contra o Olimpia na quarta-feira- vale hoje para os cruzeirenses Ricardinho, Vander e Jussiê. Eu que não queria estar na pele deles.
 
"Sei que o futebol é alienante, mas não consigo deixar de gostar." Assim começava o e-mail que recebi de um jovem jornalista e crítico de cinema.
Ao escrever a resposta, me vi de repente exaltado, defendendo com paixão a idéia oposta: no mundo de aparências e mentiras em que vivemos, o futebol é uma das poucas coisas reais que nos restam.
Senão, vejamos. A política está dominada pela publicidade; a economia, pela especulação; a cultura, pelo culto à celebridade. Tudo é simulacro, encenação, faz-de-conta.
Claro que no mundo do futebol também reinam essas três pragas (publicidade, especulação, culto à celebridade), mas dentro do campo, sob os olhares da torcida e das câmeras de TV, a história é outra.
Um jogo de futebol é um "reality show" condensado em 90 minutos. É a hora da verdade para os 25 homens em campo (os 22 jogadores, o juiz e os bandeirinhas).
É dentro daquelas quatro linhas, sob os mil olhos do "grande irmão", que cada um deles põe à prova sua competência técnica e sua inteireza moral. Força física, agilidade mental, índole solidária, lealdade, coragem -ou, inversamente, debilidade, raciocínio obtuso, egoísmo, traição e covardia- serão revelados e amplificados ao longo do jogo.
Não é uma bola de couro o que faz a platéia rugir, dançar, chorar. A bola é só o pretexto.
O que está diante de nós é o drama humano concentrado, uma versão lúdica das relações sociais em que estamos emaranhados. É a nós mesmos que vemos nessa espécie de espelho deformante -análogo, nesse aspecto, aos sonhos e às obras de arte.
É possível que nos últimos meses não tenha havido nenhuma manifestação artística de impacto emocional comparável à história de Ronaldo na Copa.
Mais de 1 bilhão de pessoas presenciaram simultaneamente, e ao vivo, a romanesca volta por cima do rapaz. Fora do campo, Ronaldo pode ser um fantasma de si mesmo, uma celebridade que participa de eventos sociais, dirige Ferraris e frequenta as revistas de fofocas. Dentro de campo, porém, ele está nu, sem lenço e sem documento. É um homem sozinho diante de seu destino.
Forçando um pouco, podemos dizer que o verdadeiro Ronaldo só existe no campo de futebol. Fora dali, é um ator que representa a si mesmo.
"Nada do que é humano me é alheio", dizia, há dois milênios, o poeta latino Terêncio. Alienar, segundo o "Aurélio", é "tornar alheio, alhear". Como pode ser alienante uma experiência que nos faz olhar para dentro de nós mesmos e enfrentar, conscientemente ou não, nossos fantasmas interiores, nossas forças ocultas, nossa grandeza e nossa miséria?

Nova sensação
Com a vitória de ontem, o Paysandu é o primeiro time do Norte do país a participar de uma Libertadores. Não é fogo de palha. No ano passado, o clube foi campeão brasileiro da Série B. No primeiro semestre deste ano, conquistou a Copa Norte. Ao que tudo indica, o Papão da Curuzu está disposto a repetir o sucesso do São Caetano.

Nova direção
Por falar nisso, parece que o Azulão está prestes a contratar o ex-craque Mário Sérgio para o lugar de Jair Picerni. Uma boa escolha. Pode-se não gostar de Mário Sérgio, treinador de perfil um tanto arrogante e autoritário, mas não se pode negar que ele costuma armar bons times mesmo sem dispor de jogadores excepcionais. Um exemplo é o Atlético-PR do ano passado, armado por ele e aperfeiçoado por Geninho.

E-mail jgcouto@uol.com.br



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