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FUTEBOL
Futebol fora do tempo
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Parece quase uma frivolidade escrever sobre futebol na
véspera de um dia tão decisivo
para a vida do país.
Mas talvez essas duas coisas
não estejam assim tão dissociadas. Além disso, se a política é, por
um lado, maior que o futebol -o
resultado das eleições de amanhã,
por exemplo, é infinitamente
mais importante que o dos jogos
de hoje-, o futebol também pode
ser maior que a política.
Para explicar o que quero dizer,
talvez seja útil lembrar o filme
"Pra Frente, Brasil", realizado
por Roberto Faria em 1981.
Quem viu a fita sabe que se trata de uma história situada em
1970, quando, ao mesmo tempo
em que o Brasil ganhava sua terceira Copa do Mundo, os opositores do regime militar eram torturados, mortos ou banidos do país.
Pois bem. Quando assisti ao filme, imbuído de um sentimento
de resistência democrática et cetera e tal, confesso que o que mais
me deu prazer foi rever, na tela
grande, os gols maravilhosos da
seleção que brilhou no México.
Na época senti até um pouco de
vergonha por isso, mas hoje vejo a
coisa de outro modo.
Quando o futebol atinge momentos de beleza e poesia que
transcendem a mera competição
esportiva, seu alcance vai muito
além do tempo em que está inserido. Esses momentos se eternizam.
Em outras palavras: os governos
-democráticos ou tirânicos-
passam, os gols de Pelé ficam.
Uma das virtudes da arte -e
estou convencido de que o futebol,
ao menos em seus pontos altos, é
uma arte- é a de ultrapassar seu
tempo, ou melhor, dar um novo
sentido ao tempo e à sua mensuração.
Ninguém mais usa as túnicas
dos gregos do século quinto antes
de Cristo, muito menos seus métodos de comunicação ou seu sistema eleitoral. Mas uma tragédia
de Sófocles ainda nos toca como
se tivesse sido escrita hoje.
Indiferente à duração cronológica, a arte faz com que o minuto
tenha o peso do milênio, e vice-versa, numa espécie de vertigem
temporal.
Veja, por exemplo, o que aconteceu no estádio do Pacaembu,
anteontem à noite.
Jogavam Corinthians e Santos.
Aos 18min do primeiro tempo, a
zaga corintiana afasta defeituosamente uma bola e, de costas para o gol, o atacante santista Alberto tem um "insight" genial e
faz o que ninguém esperava: gira
no ar como um acrobata e dá
uma das bicicletas mais perfeitas
dos últimos anos.
Numa fração de segundo, Alberto -um jogador mediano, pelo menos até agora- inscreveu
seu gesto e seu nome indelevelmente na memória de quem estava vendo o jogo. (Quem viu o gol em algum telejornal certamente
teve uma outra percepção, menos
emocional, do lance.)
O fato é que aquele instante de
magia e loucura tirou a partida
dos eixos, deixando os corintianos aturdidos e insuflando uma
carga extra de energia e autoconfiança nos meninos do Santos.
Há quem defenda que um gol
de bicicleta vale tanto quanto um
gol de canela ou um gol contra.
Numericamente, sim, é claro.
Mas um golaço como o de Alberto
muda o panorama do jogo, o estado de espírito dos jogadores, o
clima de toda uma noite.
Tanto quanto a bicicleta, foi lindo ver a torcida corintiana, na
mesma partida, tentando consertar seu time, restaurar suas engrenagens e recolocá-lo de pé na base
do grito e do canto.
Faltou pouco.
Decisão 1
O jogo do São Paulo contra o
Flamengo, hoje, no Maracanã, é decisivo para o futuro
do técnico tricolor Oswaldo
de Oliveira. Assim como os
torcedores na arquibancada,
vários leitores são-paulinos
manifestaram durante a semana muitas dúvidas quanto
à capacidade do treinador em
organizar e fazer render seu
elenco de estrelas. Uma derrota no Rio de Janeiro pode
ser a gota d'água.
Decisão 2
O clássico Palmeiras x Portuguesa também está carregado
de dramaticidade. A Lusa
tenta voltar às proximidades
da zona de classificação, e o
Palmeiras ainda busca sair da
lanterna, numa luta cruel
contra o tempo. Como disse
Zinho depois da última partida, é uma pena que o time tenha custado tanto a se acertar. Agora, cada jogo é como
um passo (ou uma dança) à
beira do abismo.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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