São Paulo, domingo, 06 de março de 2005

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FUTEBOL

Saber antes de entender

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Rinus Michels, que morreu durante a semana e foi eleito o técnico do século passado, foi um visionário, revolucionário. Entretanto não podemos dizer que ele mudou o futebol, pois os treinadores não o seguiram, apesar de todos o elogiarem.
A concepção principal da seleção holandesa de 1974 era a pressão sobre o adversário. Onde estava a bola, havia vários holandeses. Eles não tinham posição fixa, tomavam a bola com facilidade e chegavam rapidamente ao gol. Era o futebol total, o carrossel holandês, a pelada organizada.
Cruyff, o mais brilhante jogador coletivo de todos os tempos, disse que essa postura foi adotada dias antes da Copa. Resolveram inovar e arriscar. Fizeram dois treinos e encantaram o mundo. As pessoas comuns só sabem depois que treinam, entendem e aprendem. Os grandes talentos sabem antes de entender.
Existe um saber que antecede ao raciocínio lógico. Esse saber vem dos genes, das experiências e dos encantamentos na infância e dos mistérios.
Nenhum técnico adotou mais essa filosofia. Uns tentaram, mas por pouco tempo. Com exceção de raros momentos, os treinadores fazem o contrário. Preferem um estilo mais contido, pragmático, de pouco risco e equilibrado. É mais seguro.
Rinus Michels foi um visionário, um "maluco beleza". Único.

Intolerância
De longe, não dá para dizer se Daniel Passarella é ou não um ótimo treinador e se vai dar certo no Corinthians.
Não se pode analisar também um técnico somente pelos títulos conquistados. Ele teve altos e baixos na sua carreira, como a maioria dos técnicos, o que não justificaria a sua contratação para o lugar de um brasileiro. Mas a MSI quer um nome famoso para valorizar o seu time (produto).
Isso é uma coisa. Outra são as pesadas críticas a Passarella, como se ele fosse a mais pedante das criaturas e um medíocre treinador. A imprensa tem de ser dura e investigativa, como tem sido, para esclarecer o nebuloso negócio entre a MSI e o Corinthians. Os profissionais argentinos não têm nada a ver com isso.
A seleção da Argentina, dirigida por Passarella e eliminada pela Holanda na Copa do Mundo de 98, na França, era muito bem preparada. Em um amistoso antes desse Mundial, contra o Brasil, no estádio do Maracanã, poucas vezes vi uma equipe marcar tão bem por pressão e não dar nenhuma chance ao adversário, como fez a Argentina.
Assim como criticamos e cobramos mais respeito aos brasileiros que trabalham no exterior, temos de ser mais tolerantes com os estrangeiros que estão no Brasil.

Detalhes
Pelo que os times mostraram neste início de ano, Santos e São Paulo serão os grandes favoritos ao título do próximo Campeonato Brasileiro. Os melhores momentos do Santos são mais encantadores do que os melhores momentos do São Paulo, mas o time dirigido pelo Leão é mais regular e dá menos chance ao adversário.
Leão está ensinando aos treinadores como se joga com três zagueiros, sem priorizar a defesa. Os alas Cicinho e Júnior são armadores e chegam ao ataque pelo meio e também pelas pontas. Eles não são apenas laterais apoiadores. Por causa dos dois atletas, Leão adotou o esquema com três zagueiros, que não é o seu preferido. Nem o meu.
Os dois volantes do São Paulo desarmam mais à frente e chegam, alternadamente, ao ataque. Com três zagueiros, não há razão dos volantes ficarem muito atrás.
Com o técnico Cuca, o meia Danilo recuava demais para marcar e não tinha velocidade para ir ao ataque. Hoje ele atua mais próximo dos dois atacantes, onde aproveita melhor o seu bom chute.
O atacante Grafite não corre mais atrás de lateral, como era antes do Leão. Economiza energia para chegar ao gol.
Leão também encheu a bola de Diego Tardelli e exigiu a sua retribuição em campo. A atenção e o incentivo do treinador eram o que faltavam ao jovem atacante.
Qualquer técnico razoável, até o do Tabajara Futebol Clube, conhece os desenhos táticos, possui todas as informações do seu e do outro time e ensaia jogadas.
Porém poucos treinadores são ótimos observadores e dominam os detalhes, dentro e fora de campo, que fazem a diferença. Leão aprendeu com o tempo. Outros podem fazer o mesmo.

E-mail tostao.folha@uol.com.br


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