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FUTEBOL
Raça x técnica
SONINHA
Sobrou da semana retrasada o
assunto garra x técnica -se você
tivesse de escolher uma só dessas
qualidades para o seu time, qual
seria? Felizmente, esse é só um
exercício de argumentação. Ninguém precisa escolher uma coisa
ou outra, embora muitos achem
que não dá para juntar as duas
em um time ou em uma pessoa só.
Vamos fingir que não dá mesmo.
Se alguém tem técnica, talento,
habilidade ou qualquer outro nome que se dê à capacidade de lidar com a bola com categoria, dificilmente vai perder essa capacidade. Não acredito que alguém
desaprenda, simplesmente, o que
sabia fazer. Mas jogando sem
vontade, sem empenho, o jogador
pode não ter nenhuma oportunidade para pôr a técnica em ação.
Pode passar um jogo inteiro e
mal tocar na bola, ou sumir em
um campeonato. Mas também
pode ser muito eficiente em uma
única oportunidade. Um jogador
limitado, grosso, mas com muita
vontade e determinação, pode
perder milhões de jogadas e acertar uma delas, mesmo por sorte.
Estatisticamente, faz sentido.
Quanto mais você tenta, mais
chances tem de acertar. Mas a
"vontade" não é uma característica imutável; ela é muito sujeita às
variações psicológicas, climáticas,
financeiras...
Um jogador que tem mais garra
do que qualquer outra coisa pode
atrapalhar o próprio time. Ele dá
um ou mil passes errados, se afoba, se atrapalha com a marcação,
não olha para os lados, não pensa,
desperdiça um contra-ataque
com um chutão.
Mas o jogador brilhante e sem
garra também joga no lixo boas
oportunidades por não correr
atrás da bola, não esticar o pé para salvar um passe mal feito, não
se esforçar para desencarnar do
marcador, dar como perdida uma
bola que poderia ser salva.
O que é mais fácil de resolver, a
falta de habilidade ou o falta de
empenho? Talento se burila, técnica se aperfeiçoa, fundamento se
treina. Mas de onde tirar a vontade? Como se ensina garra?
Não estou gostando... Estou
quase chegando à conclusão de
que é mais fácil compensar a falta
de técnica do que a falta de empenho. É melhor parar por aqui.
Li no jornal de terça-feira que o
Botafogo-RJ contratou o Souza,
que já estaria pronto para estrear
no clássico contra o Vasco. Pensei
que era o Souza do São Paulo e fiquei feliz por ele estar sendo aproveitado por algum time. Mas era o
Souza do CSA, tetracampeão alagoano e vice da Conmebol, conhecido como um "Rivaldo melhorado" (uau). Muito boa sorte a ele.
O Souza que agora está no São
Paulo é um exemplo de jogador
que tem muita técnica -toca
bem, faz gols maravilhosos, tabela
e lança com inteligência-, mas
não emplaca. A torcida desconfia,
e talvez os outros jogadores também não sintam firmeza.
Outro na mesma situação é o
Dodô. O que será que aconteceu
com ele, que nunca mais foi o
mesmo depois de desfeita a dupla
com o Denílson? (Quanto "d'!)
Por que é tão odiado? Trata-se
de um jogador muito técnico, refinado, mas que dá aquela impressão de não suar a camisa, não desarrumar o cabelo durante o jogo
(mera figura de linguagem). Não
adianta dizer que a torcida persegue porque quer gols, pois não são
perdoados nem quando os fazem.
O problema é que não basta
apenas ter vontade de jogar e de
ganhar, o jogador precisa demonstrar vontade. Esse é o tipo de
coisa que a gente exige na vida,
não só no futebol -que as pessoas demonstrem respeito, atenção, amor. O namorado tem de se
declarar o tempo todo, não basta
querer bem (certo, meninas?).
Existem jogadores que sabem
como enganar a torcida -correm
à beça por uma bola perdida, ganham os aplausos pelo esforço,
mas, na hora da dividida, pulam
fora. Muitas vezes funciona.
Será que um psicólogo é capaz
de resolver o problema do jogador
desmotivado? Às vezes a amizade
com outros jogadores pode fazer a
diferença ou o técnico pode descobrir o segredo da motivação.
Rincón, por exemplo, sempre foi
um jogador inteligente e habilidoso, mas às vezes enlouquecia os
palmeirenses com a sua displicência, seu aparente desinteresse pelo
jogo. O diagnóstico era um só: esse
é um cara que não veste a camisa.
Já no Corinthians, a história foi
outra. Rincón jogava em uma posição diferente, mas, como costumava declarar, no Parque São
Jorge se sentia em casa.
Uma parte da Fiel já pode ter se
esquecido, mas não dá para negar
que, enquanto ele esteve ali, vestiu
com gosto o uniforme de timoneiro. A técnica ele já tinha, e a vontade não faltou.
Vamos ver que tal será sua vida
diante da impaciente torcida da
Baixada, junto da qual Dodô ainda não encontrou a paz.
E-mail soninha.folha@uol.com.br
Sonia Francine, a Soninha, escreve às quintas-feiras
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