São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2000


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FUTEBOL
Raça x técnica

SONINHA

Sobrou da semana retrasada o assunto garra x técnica -se você tivesse de escolher uma só dessas qualidades para o seu time, qual seria? Felizmente, esse é só um exercício de argumentação. Ninguém precisa escolher uma coisa ou outra, embora muitos achem que não dá para juntar as duas em um time ou em uma pessoa só. Vamos fingir que não dá mesmo.
Se alguém tem técnica, talento, habilidade ou qualquer outro nome que se dê à capacidade de lidar com a bola com categoria, dificilmente vai perder essa capacidade. Não acredito que alguém desaprenda, simplesmente, o que sabia fazer. Mas jogando sem vontade, sem empenho, o jogador pode não ter nenhuma oportunidade para pôr a técnica em ação.
Pode passar um jogo inteiro e mal tocar na bola, ou sumir em um campeonato. Mas também pode ser muito eficiente em uma única oportunidade. Um jogador limitado, grosso, mas com muita vontade e determinação, pode perder milhões de jogadas e acertar uma delas, mesmo por sorte.
Estatisticamente, faz sentido. Quanto mais você tenta, mais chances tem de acertar. Mas a "vontade" não é uma característica imutável; ela é muito sujeita às variações psicológicas, climáticas, financeiras...
Um jogador que tem mais garra do que qualquer outra coisa pode atrapalhar o próprio time. Ele dá um ou mil passes errados, se afoba, se atrapalha com a marcação, não olha para os lados, não pensa, desperdiça um contra-ataque com um chutão.
Mas o jogador brilhante e sem garra também joga no lixo boas oportunidades por não correr atrás da bola, não esticar o pé para salvar um passe mal feito, não se esforçar para desencarnar do marcador, dar como perdida uma bola que poderia ser salva.
O que é mais fácil de resolver, a falta de habilidade ou o falta de empenho? Talento se burila, técnica se aperfeiçoa, fundamento se treina. Mas de onde tirar a vontade? Como se ensina garra?
Não estou gostando... Estou quase chegando à conclusão de que é mais fácil compensar a falta de técnica do que a falta de empenho. É melhor parar por aqui.

Li no jornal de terça-feira que o Botafogo-RJ contratou o Souza, que já estaria pronto para estrear no clássico contra o Vasco. Pensei que era o Souza do São Paulo e fiquei feliz por ele estar sendo aproveitado por algum time. Mas era o Souza do CSA, tetracampeão alagoano e vice da Conmebol, conhecido como um "Rivaldo melhorado" (uau). Muito boa sorte a ele.
O Souza que agora está no São Paulo é um exemplo de jogador que tem muita técnica -toca bem, faz gols maravilhosos, tabela e lança com inteligência-, mas não emplaca. A torcida desconfia, e talvez os outros jogadores também não sintam firmeza.
Outro na mesma situação é o Dodô. O que será que aconteceu com ele, que nunca mais foi o mesmo depois de desfeita a dupla com o Denílson? (Quanto "d'!)
Por que é tão odiado? Trata-se de um jogador muito técnico, refinado, mas que dá aquela impressão de não suar a camisa, não desarrumar o cabelo durante o jogo (mera figura de linguagem). Não adianta dizer que a torcida persegue porque quer gols, pois não são perdoados nem quando os fazem.
O problema é que não basta apenas ter vontade de jogar e de ganhar, o jogador precisa demonstrar vontade. Esse é o tipo de coisa que a gente exige na vida, não só no futebol -que as pessoas demonstrem respeito, atenção, amor. O namorado tem de se declarar o tempo todo, não basta querer bem (certo, meninas?).
Existem jogadores que sabem como enganar a torcida -correm à beça por uma bola perdida, ganham os aplausos pelo esforço, mas, na hora da dividida, pulam fora. Muitas vezes funciona.
Será que um psicólogo é capaz de resolver o problema do jogador desmotivado? Às vezes a amizade com outros jogadores pode fazer a diferença ou o técnico pode descobrir o segredo da motivação.
Rincón, por exemplo, sempre foi um jogador inteligente e habilidoso, mas às vezes enlouquecia os palmeirenses com a sua displicência, seu aparente desinteresse pelo jogo. O diagnóstico era um só: esse é um cara que não veste a camisa.
Já no Corinthians, a história foi outra. Rincón jogava em uma posição diferente, mas, como costumava declarar, no Parque São Jorge se sentia em casa.
Uma parte da Fiel já pode ter se esquecido, mas não dá para negar que, enquanto ele esteve ali, vestiu com gosto o uniforme de timoneiro. A técnica ele já tinha, e a vontade não faltou.
Vamos ver que tal será sua vida diante da impaciente torcida da Baixada, junto da qual Dodô ainda não encontrou a paz.

E-mail soninha.folha@uol.com.br


Sonia Francine, a Soninha, escreve às quintas-feiras

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