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Isolados do Pan
Longe do Rio, atletas têm time de um homem só
Representantes solitários de Estados com menos tradição
e investimentos, destaques de suas seleções lutam
para seguir na elite sem precisar mudar de casa
Kaio Márcio, recordista mundial na natação, cria equipe para seguir na Paraíba; lutador de Manaus ganha patrocínio do chefe da luta livre, em treino em Manaus
João Wainer/Folha Imagem
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Kaio Márcio em treino na piscina do Clube Cabo Branco, em João Pessoa (Paraíba), onde o nadador recordista mundial dos 50 m borboleta mora com a família
MARIANA LAJOLO
ENVIADA ESPECIAL A JOÃO PESSOA
Judoca desde os nove anos,
Sarah Menezes gostava de bisbilhotar o site da confederação
brasileira. Procurava competições que pudesse disputar.
O garimpo começou a dar resultado em 2005. Aos 15 anos,
encontrou a vitrine perfeita.
Destaque de uma exibição
em Vitória (ES), começou a ser
questionada por dirigentes ávidos por descobrir quem ela era,
onde e como treinava. Em pouco tempo, ainda "teen", já integrava a seleção adulta.
Até aquele torneio, Sarah trabalhava "escondida" em Teresina, no Piauí. Longe dos grandes centros, estava também
longe dos olhos de quem comanda o esporte que escolheu.
Reserva da equipe que vai ao
Pan, a judoca integra uma minoria que ainda consegue se
manter competitiva mesmo radicada em Estados distantes
dos grandes pólos do país. É um
dos poucos atletas que serão,
no Rio, representantes solitários da terra que os acolhe e que
defendem em competições.
"Tenho tudo o que os outros
atletas têm, preparador físico,
nutricionista, técnico. A estrutura pode não ter a mesma qualidade, mas me desenvolvi aqui.
Nunca senti necessidade de
sair", diz ela, que ostenta títulos
pan-americanos e sul-americanos juvenil e júnior até 48 kg.
Quando se tornou a primeira
e única piauiense na seleção
adulta, Sarah recebeu homenagem até do governador.
"Estou começando a ser conhecida. Mas ainda tenho problemas com patrocínio", diz.
Waldeci Silva, 24, destaque
da luta livre, também já sente
as primeiras pressões e benesses por se destacar em Manaus
-é campeão brasileiro e bronze pan-americano até 60 kg.
Ex-operador de máquinas de
uma empresa de refrigerantes,
viu o patrão se transformar em
seu patrocinador, há um ano.
Como agradecimento pela
vaga no Pan, deve ser homenageado pela fábrica com retratos
seus estampados em outdoors
espalhados por toda a capital
do Amazonas. Do governador,
espera ganhar uma casa.
"Abri mão de muita coisa,
mas valeu a pena. Já virei um tipo de celebridade", brinca ele.
Nas horas vagas, Waldeci
também faz palestras em escolas para contar sua história.
Orgulha-se ao dizer que passou apertos na infância, vendeu
laranjas, trabalhou como engraxate e encontrou apoio na
mãe para se dedicar à luta livre.
Estudante de educação física
("para ter um futuro melhor"),
Waldeci agora só treina e estuda. Antes, entrava às 8h no trabalho e saía às 23h da última
aula. É a universidade, aliás,
que permite que ele tenha estrutura de treinos similar às
dos grandes centros, como o
Rio. "Era puxado, eu não conseguia me dedicar direito a tudo",
relembra o lutador, que conta
com gosto sobre o retrato com
o presidente Lula que enfeita a
estante de sua casa, em um
bairro humilde de Manaus.
Filho de família de classe média de João Pessoa, Kaio Márcio também precisou de resultados expressivos para conseguir fixar raízes na Paraíba.
Aos 14, promessa da natação,
recebeu convite para treinar no
Flamengo. Não se adaptou, viu
seus resultados piorarem e foi
tachado de fracassado.
De volta às mãos de Leo Arruda, com ele desde os 12 anos,
montou uma equipe particular,
com nutricionista, fisiologista,
preparador físico e auxiliar técnico, que funcionou até 2006.
Nesse período, bateu o recorde
mundial dos 50 m borboleta
em piscina curta (de 25 m).
Agora, além de Arruda, tem
uma técnica exclusiva, Rosana
Carneiro, que buscou no Rio.
A grande maioria dos atletas
de elite do país hoje ou vai ao
exterior ou nada no Sudeste.
"A estrutura que montei é
um privilégio", afirma Kaio.
Os ouros que coleciona e as
inúmeras capas de jornais e
programas de TV em que aparece na Paraíba transformaram
o nadador em celebridade local.
Os passeios com a namorada
sempre são interrompidos por
pedidos de fotos e autógrafos.
"Muitos só querem bater papo. E, se eu não paro, dizem que
fiquei metido", afirma ele.
Como os outros "solitários"
que irão ao Pan, o nadador,
mesmo com patrocínios particulares, também depende da
verba da prefeitura e do Estado.
"É uma situação complicada,
porque não existe obrigatoriedade de um governo continuar
o que o outro começou. Cada
um quer fazer o que lhe interessa. Aqui, distante dos grandes
centros, ficamos no meio de um
fogo cruzado", relata José Falabella, técnico de Waldeci e responsável pelo núcleo de luta livre do Amazonas, um dos três
mais competitivos do país.
Mas, mesmo que treinar fora
da cidade natal signifique estrutura mais sólida, muitas vezes pequenos atrativos são o
que tornam a permanência essencial para bons resultados.
"O que mais me faz preferir
João Pessoa é a calma da cidade, a qualidade de vida. Em dez
minutos estou em qualquer lugar. E estar ao lado da família.
Não me adaptaria a um lugar
como São Paulo", diz Kaio.
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