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Organizar uma partida entre Israel e Palestina é o próximo projeto do presidente da Fifa
Havelange quer fazer jogo da paz
CLAUDINÊ GONÇALVES
de Zurique, especial para a Folha
O presidente da Fifa, João Havelange, há 24 anos no cargo, diz que
a "maior glória" de sua vida seria
reunir Israel e Palestina em uma
partida de futebol. A missão de
reunir os países rivais lhe foi conferida, diz ele, por Al Gore, vice-presidente dos EUA, e seria seu
primeiro projeto para quando deixar a presidência da entidade.
Havelange tem 82 anos, mas parece ter muito menos. Não fuma,
não bebe, anda 5 km todo dia, depois nada durante uma hora e se
submete a uma sessão de massagem.
Quando foi eleito pela primeira
vez, em 1974, disseram-lhe que
não aguentaria uma semana ou,
no máximo, um mandato. Foram
seis e ele garante que "muita
gente gostaria que continuasse por
mais um mandato". Decidiu deixar a Fifa dois anos atrás, decisão
que lhe tirou noites de sono.
Á frente da Fifa, visitou ao menos três vezes todos os países filiados e é amigo íntimo do rei Juan
Carlos 1º, da Espanha, e do presidente francês, Jacques Chirac.
Em entrevista à Folha, diz ter levado essa vida para mostrar do
que um brasileiro é capaz.
Folha - O senhor já jogou futebol
alguma vez na vida?
Havelange - Quando adolescente
jogava e não jogava mal. Mas meu
pai me disse que gostaria que eu
fizesse natação e eu nadei pelo Brasil na Olimpíada de 1936, em Berlim, e estive na seleção brasileira
de waterpolo (polo aquático) em
1952, nos Jogos de Helsinque. A
natação é o esporte que pratico
diariamente.
Folha - Como era o futebol quando o senhor assumiu a presidência
da Fifa, em 1974?
Havelange - Tínhamos a Copa do
Mundo com 16 nações, com uma
receita de US$ 78 milhões. No caixa da Fifa, não tinha nem US$ 20.
Hoje temos a Copa com 32 seleções e a receita para esta Copa é de
US$ 500 milhões.
Para a Copa de 2002, temos garantidas receitas de US$ 1,2 bilhão
e, para 2006, US$ 1,8 bilhão.
Folha - Futebol tem de ser administrado como empresa?
Havelange - Naturalmente. Nós
não podemos vir aqui para torcer
nem para ver belas partidas. Minha função aqui foi administrar e
acho que fui bem sucedido.
Folha - O sr. cometeu erros nesse
período?
Havelange - Fiz tudo para não
faltar aos meus compromissos e
responsabilidades. Não tenho tristezas, só alegrias. Erros é possível
que tenha cometido, mas nada que
possa ter prejudicado alguém.
Folha - A divergência com Pelé
não foi um desses erros?
Havelange - Primeiro, esse senhor não tem nada a ver com a Fifa. Foi um jogador de futebol a
quem eu daria nota 10, com louvor. O resto eu não quero fazer comentários porque ele teve posições fora da Fifa e fora do futebol
internacional.
Quando ele quis mudar a lei, eu
apenas adverti que não deveria ser
contrária aos estatutos da Fifa,
apenas isso. No mais, ele fica na
posição dele e eu continuo a reverenciá-lo como o maior jogador do
século.
Folha - Futebol e política não
combinam?
Havelange - O futebol às vezes
pode ajudar. China e Taiwan estão
na Fifa desde 1980, após cinco anos
de negociações. Hoje jogam entre
si e o que a política não conseguiu,
o futebol pôde harmonizar.
Outro exemplo foi ter conseguido transferir Israel da Confederação asiática para a Oceania, para
tentar evitar tristezas como o atentado contra os atletas israelenses
em Munique, em 1972.
Hoje, Israel está na Uefa (Europa), e nunca tivemos qualquer
problema.
Folha - Mas a Palestina ainda não
é membro da Fifa.
Havelange - A adesão da Palestina será aprovada no congresso na
Fifa, agora, na França, quando a
Fifa passará a ter 203 membros.
Estive com vários dirigentes palestinos e três encontros agendados
com o presidente (da Autoridade
Nacional Palestina, Iasser) Arafat
tiveram de ser adiados por diversas razões.
Se o futuro presidente da Fifa me
confiar essa missão, esse encontro
deverá ocorrer brevemente na
Arábia Saudita. A idéia é organizar
uma partida entre Israel e a Palestina em Nova York, onde fica a sede da ONU. Na preliminar, jogariam Brasil e Estados Unidos.
O projeto surgiu de um pedido
que me foi feito, em 1994, pelo vice-presidente dos EUA, Al Gore, e
seria a maior glória de minha vida.
Folha - O assunto hoje é globalização, mas o futebol fez isso antes?
Havelange - Meu conselho é
nunca procurar um emprego dependente de uma máquina porque
ela ficará obsoleta.
No futebol não tem máquina e,
no mundo todo, calcula-se que 450
milhões de pessoas trabalham direta ou indiretamente nele. Considerando-se as famílias, são cerca
de 2 bilhões de pessoas, um terço
da humanidade, e isso numa época
em que a grande preocupação é o
desemprego.
Folha - O que falta fazer?
Havelange - Muito. Continuar
empolgando a juventude, propiciando a formação dos jovens, dos
árbitros, e de todo o pessoal técnico. Formar também administradores, o que continua sendo um
dos grandes problemas do futebol.
A Fifa mantém projetos de formação em todas essas áreas, e os
progressos já são notáveis, por
exemplo, na África e na Ásia.
Folha - Por que a sucessão do sr.
está suscitando tanta briga?
Havelange - Qualquer eleição
suscita paixões, no futebol ainda
mais, e isso às vezes propicia alguns excessos verbais, é natural.
Folha - Como o futebol vai evoluir?
Havelange - Pensamos que será
cada vez mais dinâmico. Em 1970,
um árbitro corria 6 km por partida; em 1994, a média foi de 12 km.
O professor (e técnico de futebol
Carlos Alberto) Parreira, que esteve na seleção em 1970 e em 1994,
me explicou que a seleção de 70 seria imbatível se tivesse a velocidade da de 94.
Folha - Convivendo com tanta
gente importante há 24 anos, como o sr. vai viver o anonimato?
Havelange - O anonimato aos 82
anos não faz mal a ninguém. Vou
me reciclar junto à familia, aos
amigos, e viver os últimos anos de
vida que me faltam em meu país, o
Brasil.
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